segunda-feira, 18 de maio de 2015


18 de maio de 2015 | N° 18166
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

HARLEY, AND DAVIDSON

Os americanos são ótimos na construção de mitos, e Hollywood vive disso, especialmente se o mito colabora para a manutenção do status quo, que lá é quo pra caramba. Scarface, nos anos 30, não apenas inventou o filme de gângster, mas inventou o gângster, se a lenda estiver correta. Após o longa, gângster que era gângster passou a se comportar como George Raft.

Sons of Anarchy é um filme de gângster na forma de seriado, e já em sétima (e última) temporada, cinco delas encontráveis na Netflix. Na verdade, Sons of Anarchy une dois gêneros clássicos da narrativa americana – o filme de gângster e o road movie, na subcategoria motocicletas.

Os americanos desenvolveram a tese de que a liberdade pode ser encontrada na forma de uma Harley-Davidson correndo por alguma autoestrada na direção de um eterno pôr do sol, coisa que os road movies tomaram emprestado de outro gênero americano, o western. Sons of Anarchy conta a história de uma gangue de motociclistas no norte da Califórnia que adotou uma cidade como sua, e vai ocupá-la e defendê-la. Qualquer semelhança com um Forte Apache é, claro, mera coincidência.

Os dramas se sucedem, mas centrados na figura de Jackson, o jovem bonitão que começa a ter crises de consciência, ao perceber, um tanto tardiamente, que uma gangue de motociclistas que contrabandeiam armas talvez não seja um ambiente propício ao idealismo.

De certa forma, Sons of Anarchy reflete o desconforto americano com um sistema que alardeia seu amor pela liberdade, enquanto defende de maneira irracional o uso de armas como instrumentos dessa liberdade. Jackson sente dúvidas quanto à pureza de princípios de sua gangue, o que não o impede de se comportar com um gângster de manual, sempre que a situação ou uma gangue rival o exigirem.

Gângsteres que precisam de justificativa para seus crimes não deixam de ser uma contradição em termos. Gângsteres normalmente se justificam pela força. Os americanos não deixam de fazer isso em suas narrativas, justificar o uso da força por algum motivo nobre. Talvez porque sejam todos como Jackson, desconfortáveis com a realidade de um sistema baseado na força, que pode, eventualmente, ser usada para fins bons ou maus.


Sons of Anarchy é uma série e uma metáfora, e, por qualquer dos motivos, pode e merece ser vista. Fica a dica.

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