sábado, 23 de maio de 2015


24 de maio de 2015 | N° 18172
MARTHA MEDEIROS

Bá, agora tu me pegou

Tenho vontade de abraçar afetuosamente aquele que se confessa inapto para explicações com tanta gente enrolando por aí

O texto em que condenei os serviços prestados em estabelecimentos comerciais de Porto Alegre (Chardonnay Tinto, publicada em Zero Hora do dia 13 de maio) teve um retorno expressivo. Alguns empresários me alertaram de que o problema não se resume a treinamento há também muita falta de comprometimento dos funcionários, que optam pelo rodízio de empregos em vez de se dedicar a um plano de carreira.

Feito este registro, o que restou foi a concordância maciça dos leitores e relatos de casos engraçados envolvendo atendimentos sofríveis. Da série rir para não chorar.

O que mais me divertiu foi uma frase clássica que se aplica em restaurantes no momento em que pedimos para o garçom esclarecer o modo de preparo de um prato. Sabe-se que o cliente não tem superpoderes para adivinhar do que se trata o “Filé Gruta Azul” ou o “Frango à moda do chef” e, se a descrição não está no cardápio, só resta perguntar: como é que é? Não raro o garçom, simpático e solícito, responde: “Bá, agora tu me pegou”.

Com você, nunca?

Não só em restaurantes. Você entra numa loja e pergunta se tem aquela calça verde da vitrine, só que na cor preta. “Bá, agora tu me pegou.” Dá para pagar com cheque? “Bá, agora tu me pegou.” O feriado é na terça, a loja abrirá na segunda? “Bá, agora tu me pegou.”

É a expressão que define o atendimento gaúcho. Estão todos os elementos ali. O orgulho local (“Bá”), nenhuma cerimônia com desconhecidos (“tu”) e a concordância verbal peculiar (“me pegou”) – sem falar na comédia toda. Pô, o sujeito não tinha decorado essa parte. Como será feito o raio do Filé Gruta Azul? É um convite para chutar, mas melhor não. Bora perguntar para o cozinheiro. E torcer para que ele saiba.

Recentemente, eu estava na padaria de um súper sem ninguém para atender no balcão quando vi uma moça uniformizada empilhando umas embalagens ali ao meu lado. Perguntei se era ela quem atendia naquele setor, e ela confirmou assim: “Tu tá com pressa?”.

Inúmeras vezes entrei em lojas cujo atendente estava de olho no seu smartphone e nem levantou a cabeça para dar bom dia, e lembro também... Ah, deixa pra lá, isso já está virando bullying. Fiquemos com a graça da coisa: “Bá, agora tu me pegou”.

Tenho vontade de abraçar afetuosamente aquele que se confessa inapto para explicações. É um indefeso. Não está preparado para enfrentar perguntas difíceis. Tanta gente enrolando por aí, enquanto ele revela sua fragilidade sem subterfúgios. Admite a própria limitação. Mas, obstinado em acertar, vai em busca da resposta.

“O cozinheiro disse que o filé Gruta Azul, moça, é na verdade uma maminha temperada com muita pimenta e que vem acompanhada com batatas ao molho picante e ervas.”

Ervas finas ou ordinárias?, você pergunta, só para zoar.


E ele cai. “Bá, me pegou de novo.”

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