29
de maio de 2015 | N° 18177
MOISÉS
MENDES
Interioranos
Se a
pessoa que anda a sua frente no centro de Porto Alegre caminha olhando para o
alto, é óbvio que se trata de um interiorano. Não é um forasteiro de outra
cidade grande, é alguém do Interior. O interiorano olha para cima em busca das
surpresas da cidade vertical.
Isso
é o básico, todo mundo sabe. Mas meu amigo Gustavo Ferenci identifica a origem
do interiorano pelo jeito de andar. Não pelo tipo físico ou pelas
características étnicas, porque aí fica fácil, mas pelo caminhar.
Gustavo
é capaz de dizer se alguém andando pela Avenida Otávio Rocha, virando-se para
um lado e para o outro, como quem procura a rodoviária, é de Passo Fundo ou de
Vacaria. Ele observa o ritmo, a pressa ou a lerdeza, os movimentos dos braços.
Alguém
de Bento ou Caxias, por exemplo, anda com as pernas à frente do tronco, como se
a parte abaixo da cintura tivesse que chegar sempre antes. Já o fronteiriço é o
contrário.
Oriundos
de Livramento e de Uruguaiana caminham com o tronco para a frente e com as mãos
nos bolsos. Cabeça e peito chegam antes das pernas. Preste atenção nos que
andam de bota e bombacha. É a ciência do Gustavo.
A
passada do fronteiriço também é mais larga e mais firme. E há um molejamento de
tronco. Já o morador do Litoral é parecido com o da Capital, com a diferença de
que anda mais devagar e quase arrastando os pés – pelo costume de andar de
chinelos na areia.
São
estudos empíricos da antropologia ferenciana. Gustavo fica uma hora debatendo
as possíveis diferenças entre o tipo de Quaraí e Itaqui, por exemplo. São
mínimas.
Ele
se inspira nos estudos do grande Claude Lévi-Strauss, que observava tudo, dos
índios aos japoneses, para concluir que não há superioridades entre povos, como
não há diferenças fundamentais entre o que seria o civilizado e o primitivo.
Pelos
estudos de Gustavo, conclui-se que, apesar das peculiaridades, também não há
distinções fundamentais entre o interiorano e o morador da Capital – além da
fala e do jeito de caminhar.
O
homem da Capital, concluiu Gustavo, caminha quase sempre olhando para o chão.
Preste atenção nos pedestres da Rua dos Andradas. E quem caminha olhando para
pedras e asfaltos não pode se achar superior a quem perscruta a cidade olhando
para o alto.
Pena
que Claude Lévi-Strauss tenha morrido sem falar com o Gustavo.
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