09 de maio de 2015 | N°
18157
DAVID COIMBRA
Depois da feijoada de sábado
Era sábado. Fazia um sol morno,
dava para sair à rua com uma camisa jogada sobre a camiseta, e foi assim que
saí. Fui caminhando devagar até a praça e, por algum motivo, pensei que o
Próspera tinha um ponta-esquerda japonês.
Não sei por que me intrigava
tanto o fato de o ponta-esquerda do Próspera ser japonês, mas achava isso
curioso e, por achar curioso, gostava de vê-lo jogar. Júlio César, o nome dele.
Não era bom ponta. Nem ruim. Era... japonês.
O Próspera é o segundo time de
Criciúma, onde eu morava. Ia à praça todos os sábados, encontrava os amigos,
tomava uns chopes, beliscava piriris antes do almoço e ouvia notícias de
façanhas da noite de sexta.
Naquele dia, encontrei o meu
amigo Ricardo Fabris, e ele me convidou, justamente, para ver um jogo do
Próspera, depois da feijoada no Costelão.
No Costelão, a gente sentava e os
amigos iam chegando e se acomodando. Eram formadas pontes de conversa entre as
mesas, e, em meio a cervejas e teses, o perigo era o almoço se estender até o
jantar. Mas, naquele dia, não. Naquele dia, eu e o Ricardo saímos cedo, três e
meia da tarde. Para ver o Próspera.
Quanta gente cabe no estadinho do
Próspera? Uns 5, 6 mil. Time de mineiros. Time aguerrido. Camisa cor de sangue,
mais vermelha do que a do Inter. O ponta-esquerda era japonês; o centroavante,
craque. Laerte, o Urso, de quem muito já escrevi. Laerte, o Urso, foi melhor do
que Romário, melhor do que Ronaldo, melhor do que Tostão, melhor do que Van
Basten. Não virou herói do Brasil porque, por algum encantamento, só conseguia
marcar gol quando jogava em Criciúma. Um mistério, isso.
Laerte. O Urso.
O ponta-direita tinha vindo do
Inter: Mica. Um médio. Lembro que, certa feita, um narrador gritou: “Mica!
Gooooool”. O cacófato se tornou célebre na cidade.
Na zaga-central jogava Ozíris,
que havia sido titular do Cruzeiro de Minas, onde até ganhara campeonato. O
quarto-zagueiro, Nivaldo, o Churrasco, assim chamado pelo que fazia com o
centroavante inimigo.
Nivaldo só não era mais
respeitado do que o técnico, Acyoli Sanchez. O velho índio Acyoli podia ser
considerado um caso parecido com o de Laerte. Conhecia tudo de futebol. Tudo.
Ganhava o jogo na hora em que queria. Mas, quando estava prestes a ser campeão,
fazia o time perder de propósito. Ele não podia aparecer na imprensa nacional:
se aparecesse, prendiam-no.
É que, na juventude, Acyoli
atropelou quatro freiras, quando dirigia um caminhão de gás em Porto Alegre.
Vendo pelo retrovisor as quatro freiras voarem dentro de seus quatro hábitos
pretos como quatro grandes corvos, Acyoli zuniu até a BR, chegou a Criciúma,
escondeu o caminhão dentro de uma mina abandonada e construiu vida nova.
Está bem, talvez ele tenha
exagerado um pouco ao contar essa história, mas ela combina bem com sua
personalidade. Nenhum técnico jamais foi tão durão quanto o Acyoli. Uma vez,
quebrou todo o vestiário do Criciúma ao se desentender com um dirigente. Todos
o temiam. Até o Churrasco.
Nesse jogo do sábado, Acyoli deve
ter feito alguma mágica tática, mas não lembro qual. Laerte certamente marcou
gol, mas não tenho certeza. O Churrasco atirou o centroavante adversário no
alambrado com uma ombrada, isso é certo, mesmo que não recorde da ombrada, nem
do centroavante, nem do time dele.
Mas lembro da arquibancada de
madeira em que estava sentado, de comer bergamota ao sol, da conversa agradável
com meu amigo Ricardo Fabris e das jogadas engraçadas daquele ponta-esquerda
japonês. Um sábado ameno, bons amigos e um futebolzinho sem compromisso.
Precisa mais?
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