segunda-feira, 11 de maio de 2015


11 de maio de 2015 | N° 18159
L. F. VERISSIMO

Vinho

Os consumidores de vinho se dividem em dois tipos. Os que sabem o que estão bebendo e os que não sabem mas gostam assim mesmo. Estes também se dividem em dois tipos, os que gostam sinceramente, embora não o aproveitem tão completamente quanto os entendidos, e os que se obrigam a gostar por ostentação. Desses se diz que não bebem o vinho, bebem o rótulo.

Eu pertenço à divisão 1 da categoria B, a dos que apreciam sem entender. Invejo quem fala com autoridade dos taninos e do retrogosto de um vinho, mas confesso que jamais identifiquei os sabores sutis – “notas” de frutas vermelhas, de tabaco e disto e daquilo – de que falam os de paladar apurado, para nos humilhar. Mas quase tanto quanto bebê-lo, gosto de ler histórias sobre o vinho e seus adeptos, genuínos ou fingidos.

Um New York Times recente trazia o necrológio de um comerciante e autor de livros sobre vinhos chamado William Sokolin. Numa noite de abril de 1989, Sokolin levou uma garrafa de um vinho raríssimo a um jantar com outros comerciantes e enófilos no restaurante Four Seasons, em Nova York. O vinho era um Château Margaux 1787, encontrado numa cave parisiense, e que teria pertencido a Thomas Jefferson, um dos fundadores da República americana e um conhecido amante das amenidades da vida, como boa comida, boa bebida e a companhia de escravas na sua cama senhorial.

O rótulo do vinho tinha inscrito “Th.J”. Sokolin, que o comprara por US$ 212 mil, pretendia vendê-lo por mais de US$ 500 mil.

Quando ia exibi-la, bateu com a garrafa numa quina de mesa, furando-a. O vinho jorrou pelo buraco como sangue de uma carótida. “Cometi um assassinato”, diria Sokolin, depois. Ele ainda tentou vender a garrafa furada num leilão, propondo um lance inicial de US$ 30 mil, que ninguém fez. Lances de US$ 10 mil e de US$ 5 mil também foram pedidos e não feitos. Finalmente alguém ergueu a mão e ofereceu: “cem dólares!”. Sokolin preferiu doar a garrafa a uma instituição de caridade.

O que ele só ficou sabendo mais tarde, e diz tudo que se precisa saber sobre verdadeiros amantes de vinho, é que depois da sua saída do Four Seasons, desolado com o desastre ocorrido, muitos dos presentes atiraram-se ao chão para provar o líquido derramado no tapete. O veredicto foi que o vinho do Thomas Jefferson tinha se deteriorado.


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