23
de maio de 2015 | N° 18171
NÍLSON
SOUZA
ESTRELINHAS NA
MANHÃ
Gilberto
Gil, genial: “Olha lá vai passando a procissão/ se arrastando que nem cobra
pelo chão./ As pessoas que nela vão passando/ acreditam nas coisas lá do
céu...”.
Lembrei
dele no último domingo, quando saí para a minha caminhada matinal e deparei com
a multidão na orla de Ipanema. Eram fiéis de Santa Rita de Cássia,
deslocando-se até o santuário no Guarujá.
Sou
um vizinho relapso da santinha, quase não a visito. Não que me faltem causas
impossíveis: se fosse pedir, começaria pelo cessar-fogo no mundo, por um
destino digno para aquele pessoal que se lança ao mar em barcos superlotados,
por proteção e educação para crianças de todas as nacionalidades e por um jeito
de verdade, e não o jeitinho famoso, para o nosso país. Mas não peço nada
disso. São problemas nossos, temos que resolvê-los sem apelar à intercessão
divina. Livre-arbítrio tem o seu ônus, gente.
Além
disso, aquelas pessoas que encontro entoando cânticos religiosos, caminhando de
pés descalços e dando vivas à santa, seguindo o andor e o carro de som,
certamente têm demandas tão ou mais relevantes. Basta observar seus rostos
contritos para se perceber que rezam por seus afetos, pela cura de doenças,
pela superação das dificuldades do dia a dia, por causas – se não impossíveis –
próximas e prementes. Cada um sabe onde lhe aperta o calo.
Não
rezo, nem desprezo. Apenas observo. E aproveito para registrar o desfile da fé
em fotos e vídeos. Vício de jornalista. Nesta condição, não me passa
despercebido quando o homem do carro de som elogia o belo dia com um crédito
exagerado para a santa:
– Um
tal de Cléo Kuhn disse que hoje ia amanhecer caindo água. Mas Santa Rita é mais
forte, minha gente!
Pobre
Cléo Kuhn, penso. Embora nosso desafinado meteorologista também exagere de vez
em quando sobre sua intimidade com São Pedro, todos sabemos que ele depende dos
tais modelos matemáticos da atmosfera para fazer as suas previsões. E, como diz
o Eclesiastes (já que estamos no terreno religioso), há tempo para todo
propósito debaixo do céu – inclusive para mudanças climáticas imprevisíveis.
Movido
mais pela curiosidade do que pela fé, sigo a procissão até a avenida que leva
ao santuário. Fechando o cortejo, enfarada de tanta cantoria e reza, uma menina
loira de sete ou oito anos faz estrelinhas acrobáticas. Aposto que a santa
apreciou a ingênua homenagem.
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