31
de maio de 2015 | N° 18179 L .
F. VERISSIMO
As
aventuras da família Brasil
A invasão
A
divisão ciência/humanismo se reflete na maneira como as pessoas, hoje, encaram
o computador. Resiste-se ao computador, e a toda a cultura cibernética, como
uma forma de ser fiel ao livro e à palavra impressa. Mas o computador não
eliminará o papel. Ao contrário do que se pensava há alguns anos, o computador
não salvará as florestas. Aumentou o uso do papel em todo o mundo, e não apenas
porque a cada novidade eletrônica lançada no mercado corresponde um manual de
instrução, sem falar numa embalagem de papelão e num embrulho para presente.
O
computador estimula as pessoas a escreverem e imprimirem o que escrevem. Como
hoje qualquer um pode ser seu próprio editor, paginador e ilustrador sem largar
o mouse, a tentação de passar sua obra para o papel é quase irresistível.
Desconfio
que o que salvará o livro será o supérfluo, o que não tem nada a ver com
conteúdo ou conveniência. Até que lancem computadores com cheiro sintetizado,
nada substituirá o cheiro de papel e tinta nas suas duas categorias
inimitáveis, livro novo e livro velho. E nenhuma coleção de gravações
ornamentará uma sala com o calor e a dignidade de uma estante de livros. A tudo
que falta ao admirável mundo da informática, da cibernética, do virtual e do
instantâneo, acrescente-se isso: falta lombada. No fim, o livro deverá sua
sobrevida à decoração de interiores.
A
urna eletrônica é um exemplo da invasão inevitável da cultura científica em
todos os nossos costumes. Imagino que ela seja apenas o começo de uma
informatização progressiva do processo eleitoral que culminará, um dia, com a eliminação
do próprio candidato. Em vez de digitar na urna os números que identificam o
candidato com as características e as qualidades que você quer, você digitará
os números que identificam as características e as qualidades que você quer – e
o computador fabricará um candidato com as especificações mais procuradas. Em
vez de um presidente, por exemplo, teremos uma espécie de print-out consensual.
Como
o amor e as compras, um dia a democracia também será feita só através da
internet. Você não precisará sair de casa para votar – e poderá votar em
qualquer eleição do mundo! Se a globalização já tivesse chegado a esse ponto,
você poderia ter votado nas recentes eleições na Inglaterra, por exemplo. Só
não votará quem não estiver ligado na internet, mas a essa altura quem não
estiver ligado na internet não fará mais nada e não será mais ninguém. E um dia
o circuito se fechará.
Digitaremos
no nosso computador para eleger computadores. Computadores programados farão o
trabalho do Legislativo e do Executivo. Eliminaremos o fator humano, a técnica
nos dominará e seremos felizes. Ou infelizes, dará no mesmo, porque não haverá
ninguém para culpar, e os computadores farão pouco dos nossos protestos. Até o
presidente será um computador central. E, no Brasil, a única coisa certa é que
o vice será do PMDB.
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