17
de maio de 2015 | N° 18165
MOISÉS
MENDES
As farsas e os
furacões
Daqui a alguns anos, filhos e netos, criados, maduros
e cada vez mais perguntadores, irão querer saber de nós como o Brasil conviveu
por tanto tempo com os atuais presidentes da Câmara e do Senado, se os dois
estavam sob investigação do Supremo. Como a vida continuava como se nada fosse
com eles, enquanto todos os dias alguma notícia os envolvia em corrupção?
Você
pode dizer que Eduardo Cunha e Renan Calheiros foram os homens mais poderosos
do Brasil, sob a desconfiança da maioria dos brasileiros e inclusive dos
próprios colegas, porque assim muitos desejavam dentro e fora do Congresso.
Lembraremos
que sempre foi assim. Que na mesma época em que Cunha e Calheiros mandavam,
orientando as reações fortes do parlamento a qualquer gesto do governo, o
senador Fernando Collor pedia a cassação do procurador-geral da República.
Collor,
o caçador de marajás que renunciou à Presidência em 1992 para não ser cassado,
e agora também envolvido na Lava-Jato, pretende calar o chefe do Ministério
Público que o denunciou ao Supremo.
Cunha,
Calheiros e Collor desfrutam de uma imunidade a que poucos podem almejar. São
personagens a serviço não só do Congresso que os sustenta como comandantes, mas
também de quem não pretende fazer nenhum esforço para que se afastem de onde
estão. Para estes, é bom que lá estejam.
Cunha
e Calheiros foram feitos do mesmo barro que deu forma a Collor. Todos são
aberrações. Estariam bem na periferia da política, vivendo das migalhas do
baixo clero do Congresso e de suas atitudes quase sempre indecorosas. Mas são
protagonistas.
Collor
tem muito a ensinar aos outros dois. O jornalista Mario Sérgio Conti, autor de
Notícias do Planalto (Companhia das Letras, 1999), descreve em detalhes como o
alagoano foi uma construção perfeita. Um certo jornalismo, tão zeloso de seus
feitos, não pode renegar o crédito de ter ajudado a elaborar a figura de Collor
como salvador.
Em
abril de 1987, o governador de Alagoas foi apresentado em reportagem do então
poderoso Jornal do Brasil como o homem que poderia moralizar o país. O livro de
Conti relata (na página 46 da primeira reedição) que o JB exaltava: “Como
impetuoso lutador faixa-preta de karatê que é, ele investe com golpes
fulminantes e certeiros contra vários adversários ao mesmo tempo”.
Como,
repita-se, o jornalismo é tão preocupado em ter o crédito de suas façanhas,
credite-se a literatura do texto acima aos jornalistas Augusto Nunes e Ricardo
Setti, que ofereceram o adjetivado personagem ao Brasil como “Furacão Collor”.
Pronto, tínhamos um jovem vigoroso e justiceiro para reconstruir a democracia.
Mas
o jornalismo que procurava ficar longe de tanta ventania já sabia, de Cacequi a
Marau, de Canoas a Apucarana e de Macatuba a Tapejara, que Collor era uma
farsa.
O
livro de Conti deveria ser estudado, desde o Ensino Médio, para que nossos
filhos e netos compreendam como os Cunhas e os Calheiros são criados e
sobrevivem a tudo e como Collor afronta até o xerife que o investiga.
Cunha
e Calheiros são os furacões de hoje, dedicados a corromper as relações já
precárias entre Congresso e governo. Se não tivessem utilidade para os
fomentadores desse embate político destrutivo, já teriam sido mandados embora
pela parceria, como aconteceu com Fernando Collor em 1992.
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