sábado, 30 de maio de 2015


30 de maio de 2015 | N° 18178
DAVID COIMBRA

Sergio Napp, o campeão dos campeões

Eu tinha uma raiva daquele Sergio Napp. Ele sempre ganhava o Prêmio Habitasul de Literatura. De mim, quero dizer – ele ganhava de mim. E de todos os outros também, diga-se a verdade. Inscrevia-me no concurso de contos, centenas de sôfregos candidatos a escritor se inscreviam, e, no fim, quem vencia? Sergio Napp.

Sergio Napp, Sergio Napp, Sergio Napp.

Me dava uma raiva. Mas quem é esse Sergio Napp?, perguntava. Descobri ao ouvir Desgarrados, que ele compôs em parceria com Mário Barbará. É uma canção belíssima, campeã (é claro) da Califórnia da Canção de 1981.

Que música linda. Que melodia docemente nostálgica. Que poesia tão cheia de significado e tão cheia de emoção. Esse Sergio Napp é bom demais, pensei. E admiti ser muita pretensão um pirralho de 15 anos de idade querer vencê-lo num concurso de contos.

Desgarrados. Até hoje aperta-me o peito quando a ouço. A história daqueles homens altivos do campo que se transformam em pingentes na Capital.

“Faziam planos e nem sabiam que eram felizes

Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho.”

Tempos depois, passados tragos, muitos estragos, por todas as noites, meio que perdi Sergio Napp de vista. Acabei por reencontrá-lo após mais de 12 anos, também numa, por assim dizer, ocasião literária: lançava meu primeiro livro na Feira de Porto Alegre. Havia, sei lá, umas 10 pessoas na minha fila de autógrafos. Já a fila do autor sentado ao meu lado era imensa, cinco vezes maior, o cara não parava de fazer dedicatórias, era tanta gente em volta dele, que não conseguia vê-lo. A certa altura da noite, curioso, aproveitei uma oportunidade, estiquei o pescoço e o vi. Ele. Sergio Napp! Não é possível, rosnei, esse cara está de sacanagem comigo!

E sopraram os ventos, e mais tempo passou, e me desgarrei de Porto Alegre, e agarrei-me à minha cidade outra vez, e não sabia mais de Sergio Napp, até que um dia, depois de publicar uma crônica no jornal, recebi um e-mail dele. Era um caloroso elogio ao meu texto. Que felicidade! Sergio Napp, o campeão dos campeões, dizia gostar do que eu escrevia, eu, que, na arrogância da pré-adolescência, tive a audácia de competir com ele! Aquilo era um título para mim.

Não resisti. Respondi ao e-mail contando a história do prêmio de literatura. Ele riu muito e, a partir daquele dia, sempre enviava gentis considerações aos meus textos, enchendo-me de orgulho, ou então comentando algo sobre a cultura gaúcha ou sobre as amenidades do futebol. Tornou-se um agradável amigo virtual.


Sergio Napp morreu na quinta-feira. A morte de um amigo é um pedaço do mundo que deixa de existir. O mundo era de um jeito, agora é de outro. A gente se sente como que desgarrado, porque, o que foi, nunca mais será.

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