03
de maio de 2015 | N° 18151
MOISES
MENDES
Marta e a classe
média
Marta
Suplicy e muita gente que você conhece, amigos, parentes, vizinhos e colegas,
faziam parte, até bem pouco tempo, do que se definia como a classe média de
esquerda, ou meio de esquerda, ou simpatizante de alguém ou das atitudes de
centro-esquerda. Essa classe média pretendeu passar aos filhos suas
referências.
Os
jovens que saíram às ruas pelas Diretas Já em 1983 e 1984 estão hoje com uns 50
anos. Depois, a classe média voltou às ruas em 1992, com os caras-pintadas,
para derrubar Collor. Um adolescente daquele tempo chegou agora aos 40 anos.
A
classe média meio de esquerda carrega cicatrizes e memórias de tempos duros:
ditadura, resistência, inflação, dívida externa, Vietnã, Terceiro Mundo,
distribuição de renda, social-democracia, Guerra Fria, FMI, negritude,
indigenismo, Teo- logia da Libertação, diretas.
Em algum
momento, essa classe média até se divertiu com o deboche da direita, que passou
a defini-la como o perfeito idiota latino-americano. O idiota era, segundo o
escritor peruano Álvaro Vargas Llosa, o cara bem de vida seduzido por algum
apelo considerado populista, na política, na economia e nos costumes, que
afrontasse o que era dado como pronto e acabado. Álvaro – filho de Mario –
referia-se à “empoeirada classe social, à qual provavelmente todos nós
pertencemos”.
Pois
essa classe, esculachada por Álvaro e três amigos no livro Manual do Perfeito
Idiota Latino-Americano (Bertrand Brasil), lá em 1997, deixou de existir. A
crise existencial a desalojou de seu território político e de suas utopias.
Marta
Suplicy, a moça que falava de feminismo nos anos 80, é a expressão desse
dilema, não só porque brigou com o PT. A grande massa de classe média que
sustentou o petismo não era a da militância orgânica, de filiados e
embandeirados. Era a que via Marta na TV e arejava a família com ideias
levemente transgressoras.
Álvaro
Vargas Llosa e seus parceiros escreveram há 18 anos que, abaixo da tal classe
média empoeirada, estava “o povo, essa grande massa anônima e paupérrima”, e
acima dela estavam, “sempre arrogantes, os ricos com seus clubes, suas mansões,
observando com desdém as pessoas da classe média”. Era, claro, uma ironia.
Essa
classe média não existe mais, não do jeito que Llosa a descreveu, descontados
os exageros. A classe média constrangeu-se com o fracasso de seus sonhos. Seus
filhos são quarentões desorientados. Logo ela, a classe média que sustentava as
boas intenções do mundo.
Podem
esnobar Marta Suplicy e dizer que ela é uma bacana ressentida, mas é preciso
admitir: Marta era, sim, daquela turma. Ela falava para pais, tios e avós de
quem hoje pode ver sentido até na retórica assustadora de um Levy Fidelix e
seus seguidores, que defendem o rearmamento e a maioridade penal aos 16 anos ou
condenam a união homoafetiva, as cotas, o Bolsa Família e o Prouni.
Enquanto
antigos idiotas latino-americanos prosperam no Uruguai, no Chile e na Bolívia,
para desespero dos idiotas da direita, os idiotas brasileiros se constrangem.
Muitos de seus filhos (quantos não foram caras-pintadas?)nunca chegarão perto
de um livro de Neruda ou Marcuse, esculhambados por Álvaro, e outros já não têm
certeza de que a democracia dará conta das suas confusões.
A
velha classe média brasileira transformou-se em outra coisa, à espera de quem a
decifre ou, quem sabe, a confunda ainda mais.
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