sábado, 2 de maio de 2015


03 de maio de 2015 | N° 18151
MOISES MENDES

Marta e a classe média

Marta Suplicy e muita gente que você conhece, amigos, parentes, vizinhos e colegas, faziam parte, até bem pouco tempo, do que se definia como a classe média de esquerda, ou meio de esquerda, ou simpatizante de alguém ou das atitudes de centro-esquerda. Essa classe média pretendeu passar aos filhos suas referências.

Os jovens que saíram às ruas pelas Diretas Já em 1983 e 1984 estão hoje com uns 50 anos. Depois, a classe média voltou às ruas em 1992, com os caras-pintadas, para derrubar Collor. Um adolescente daquele tempo chegou agora aos 40 anos.

A classe média meio de esquerda carrega cicatrizes e memórias de tempos duros: ditadura, resistência, inflação, dívida externa, Vietnã, Terceiro Mundo, distribuição de renda, social-democracia, Guerra Fria, FMI, negritude, indigenismo, Teo- logia da Libertação, diretas.

Em algum momento, essa classe média até se divertiu com o deboche da direita, que passou a defini-la como o perfeito idiota latino-americano. O idiota era, segundo o escritor peruano Álvaro Vargas Llosa, o cara bem de vida seduzido por algum apelo considerado populista, na política, na economia e nos costumes, que afrontasse o que era dado como pronto e acabado. Álvaro – filho de Mario – referia-se à “empoeirada classe social, à qual provavelmente todos nós pertencemos”.

Pois essa classe, esculachada por Álvaro e três amigos no livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano (Bertrand Brasil), lá em 1997, deixou de existir. A crise existencial a desalojou de seu território político e de suas utopias.

Marta Suplicy, a moça que falava de feminismo nos anos 80, é a expressão desse dilema, não só porque brigou com o PT. A grande massa de classe média que sustentou o petismo não era a da militância orgânica, de filiados e embandeirados. Era a que via Marta na TV e arejava a família com ideias levemente transgressoras.

Álvaro Vargas Llosa e seus parceiros escreveram há 18 anos que, abaixo da tal classe média empoeirada, estava “o povo, essa grande massa anônima e paupérrima”, e acima dela estavam, “sempre arrogantes, os ricos com seus clubes, suas mansões, observando com desdém as pessoas da classe média”. Era, claro, uma ironia.

Essa classe média não existe mais, não do jeito que Llosa a descreveu, descontados os exageros. A classe média constrangeu-se com o fracasso de seus sonhos. Seus filhos são quarentões desorientados. Logo ela, a classe média que sustentava as boas intenções do mundo.

Podem esnobar Marta Suplicy e dizer que ela é uma bacana ressentida, mas é preciso admitir: Marta era, sim, daquela turma. Ela falava para pais, tios e avós de quem hoje pode ver sentido até na retórica assustadora de um Levy Fidelix e seus seguidores, que defendem o rearmamento e a maioridade penal aos 16 anos ou condenam a união homoafetiva, as cotas, o Bolsa Família e o Prouni.

Enquanto antigos idiotas latino-americanos prosperam no Uruguai, no Chile e na Bolívia, para desespero dos idiotas da direita, os idiotas brasileiros se constrangem. Muitos de seus filhos (quantos não foram caras-pintadas?)nunca chegarão perto de um livro de Neruda ou Marcuse, esculhambados por Álvaro, e outros já não têm certeza de que a democracia dará conta das suas confusões.


A velha classe média brasileira transformou-se em outra coisa, à espera de quem a decifre ou, quem sabe, a confunda ainda mais.

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