15
de maio de 2015 | N° 18163
MOISÉS
MENDES
Meninos e demônios
O
esgrimista brasileiro Guilherme Murray, de 12 anos, é o exemplo edificante do
momento, enquanto os pilantras prosperam também nos esportes. Ele alertou um árbitro,
no Campeonato Pan-Americano de Esgrima, que havia lhe assegurado uma vitória
indevida.
Guilherme
não tocara o adversário com o florete. O juiz elogiou o gesto, e o brasileiro
perdeu a disputa e o direito de ir à final. Isso aconteceu em agosto de 2014. Em
outubro, o menino receberá uma honraria, o Diploma Internacional de Fair Play,
ou jogo limpo, do Comitê Olímpico Internacional.
Sou
do tempo em que gestos de honestidade não tinham glamour. Na minha infância,
ninguém aparecia no jornal ou na TV por devolver uma carteira achada no ônibus.
Eu nunca teria a chance de colocar um diploma desses na parede do quarto, ao
lado de um pôster da Candice Bergen.
Isso
que aos 13 anos devolvi dinheiro que compraria uma bola oficial de couro, um
par de chuteiras e um jogo de camisetas de futebol de salão.
Foi
assim. Na boca do caixa do Banco da Lavoura de Minas Gerais, descontei um
cheque da minha avó Nina. Enfiei o dinheiro no bolso e fui conferir no balcão. Tinha
o dobro do valor do cheque. Poucos guris da Mariz e Barros tinham uma bola
oficial. Dois ou três tinham chuteiras.
Recontei
o dinheiro. Daria para comprar até o time de botão que o Bacudo queria me
vender. Um demônio me acelerava e me ajudava nos cálculos. Eu recontava e
pensava: vou devolver. Pensava na minha avó. O demônio apontava para a porta e
dizia: é teu, pega e cai fora.
Era
como se todos no banco me olhassem. Menos o caixa, um homem triste, talvez
distraído em mais um erro. Em 30 segundos, venci o diabo, envergonhado e com
pena do caixa.
Retornei
à fila. Quando pedi ao homem que conferisse o cheque número tal (eu lembrava o
número), ele bufou. Abriu a gaveta, conferiu o cheque, pegou o bolo de dinheiro
que eu passei, recontou, repartiu, empurrou um montinho na minha direção e
disse:
– Este
é o teu.
Apenas
isso. A ingratidão daquele homem do Banco da Lavoura de Minas Gerais é um dos
grandes traumas da minha vida. Penso naquela cena e no gesto de Guilherme
Murray.
Não
sei quanto tempo o menino levou para tomar a decisão de avisar o juiz. Eu posso
ter demorado muito e por isso fui punido pelo bancário mal-agradecido. Admito
que vacilei. Os diabos de Alegrete gostavam muito de futebol.
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