sábado, 9 de maio de 2015


09 de maio de 2015 | N° 18157
CLÁUDIA LAITANO

Lições de guerra

A II Guerra Mundial é o fato histórico incontornável da cultura, pop ou erudita, dos últimos 70 anos. Fatos e personagens do conflito tornaram-se uma espécie de mitologia fundadora para todas as gerações subsequentes, uma fonte inesgotável para a boa e a má ficção – além de matéria-prima para algumas das reflexões mais profundas já feitas sobre a condição humana.

Vasculhando meu baú de memórias de infância, chego logo ao seriado Guerra, Sombra e Água Fresca (Hoogan’s Heroes, 1965-1971), a primeira história de II Guerra que lembro de ter acompanhado. Ali, nazistas como o Coronel Klink e o Sargento Schultz eram mais ridículos do que propriamente ameaçadores.

O tom era cômico, mas a divisão clara entre vilões e mocinhos, compreensível até mesmo para uma criança de seis anos, não era muito diferente daquela que se encontra nas abordagens mais graves do assunto – o que talvez explique, em parte, o fascínio que a guerra ainda desperta. Poucas vezes, antes ou depois, foi tão fácil distinguir o Bem do Mal.

Com 12 ou 13 anos, o Diário de Anne Frank foi o primeiro livro que lembro ter pedido de presente, mas foi lendo, já adulta, É Isto um Homem? (1947) e A Trégua (1963), de Primo Levi, que comecei a entender a dimensão da experiência dos prisioneiros dos campos de concentração. Judeu italiano que sobreviveu a Auschwitz, Levi não escreveu apenas dois dos melhores livros sobre a II Guerra, mas dois dos melhores livros do século 20 em qualquer categoria.

O último livro sobre o assunto que li foi HHhH (2012), do escritor francês Laurent Binet, nascido quase 30 anos depois do fim da guerra – e exemplo de como o interesse por diferentes aspectos do conflito tem se renovado a cada geração, assim como a forma de narrá-los (se você ainda não leu, não sabe o que está perdendo...). Nesta semana mesmo, em que foram lembrados os 70 anos da capitulação alemã, desembarcou na minha mesa o livro Compatriotas, que narra como o povo dinamarquês conseguiu se unir para ajudar os judeus a escaparem dos nazistas. A fonte, como se vê, continua a jorrar.

Dizem que não existe livro ou filme ruim sobre a II Guerra. Não vou tão longe, mas entendo o exagero. Da vilania mais inconcebível ao heroísmo mais pungente, dos pequenos gestos às manobras estratégicas mais grandiosas, encontra-se lá, nos seis anos de uma guerra que fez mais de 60 milhões de vítimas, boa parte de tudo aquilo que podemos dizer, contra ou a favor, a respeito da nossa própria espécie.


Um dos motes mais singelos do período, aliás, tocou em algum ponto sensível e acabou transformado em meme (“keep calm and carry on”). Talvez porque a guerra nos ajude a entender a verdadeira dimensão de alguns obstáculos que, às vezes, nos parecem intransponíveis. No Brasil de 2015, como na Londres bombardeada dos anos 40, o jeito é ficar calmo e ir em frente.

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