14
de maio de 2015 | N° 18162
L. F.
VERISSIMO
Encanto
Bons
ficcionistas não dão bons críticos – e vice-versa. Me ocorrem três exceções a
esta sentença: os americanos John Updike e Saul Bellow e o italiano Italo
Calvino. Já como exemplos do vice-versa lembro dois, Susan Sontag e George
Steiner, ótimos críticos que não acertaram a mão como ficcionistas. John Updike
produziu tanta não ficção, entre ensaios literários e resenhas, que o
surpreendente é ter tido tempo para produzir seus romances, que também foram
muitos.
Italo
Calvino escreveu com a mesma qualidade suas obras e seus comentários sobre as
obras dos outros. E lê-se com igual prazer um romance e uma crítica de Saul
Bellow, talvez o melhor escritor americano surgido depois da turma de 20 e 30 (Hemingway,
Fitzgerald, dos Passos, etc).
Como
aquela turma, Bellow teve sua experiência obrigatória em Paris, mas, diferente
deles, pegou a Europa no rescaldo da II Guerra Mundial, ainda convalescendo dos
seus horrores, e, no caso de Paris, da humilhação da ocupação nazista. Poupadas
de bombardeios, Paris e Praga foram as duas únicas grandes capitais europeias
que não precisaram renascer de escombros depois da guerra.
Mas
os efeitos da barbárie eram evidentes no clima intelectual que Bellow encontrou
em Paris. Segundo ele, o existencialismo e todos os outros ismos literários e
políticos surgidos no pós-guerra nasceram como alternativa ao niilismo, o único
sentimento coerente com a convulsão que acabara de envolver a Europa. Para não
sucumbir a um asco terminal pela capacidade humana de se autodestruir, Paris
tentava se reinventar como a capital mundial de uma nova cultura, como já tinha
sido mais de uma vez no passado.
Bellow,
que sempre teve algo de reacionário, não acreditou na renascença de Paris. Mas
nunca perdeu o encanto pela cidade, e escreveu que Deus se sentiria feliz em
Paris como em nenhum outro lugar da Terra. Para Bellow, Deus nunca seria
incomodado com preces, súplicas e encantações, pois estaria cercado de infiéis
na cidade mais secularista do mundo. E, nos fins de tarde, como milhares de
parisienses, poderia relaxar no seu café favorito. Escreveu Bellow: “Existem
poucas coisas mais agradáveis, mais civilizadas, do que um tranquilo ‘terrasse’
ao anoitecer”.
Falando
em Paris e em “terrasses”, há um grande pequeno livro do Sérgio Augusto chamado
E Foram todos para Paris, que é um guia da cidade pelos endereços, lugares
preferidos – e cafés favoritos – de visitantes ilustres, personalidades e
artistas, do começo do século passado até anteontem. Melhor do que ler o livro,
só estar em Paris – lendo o livro.
PAPO
VOVÔ
Lucinda,
nossa neta de sete anos, às vezes adota uma palavra que passa a usar como preâmbulo
de tudo o que diz. Por esses dias, a palavra era “tecnicamente”. Como em “Tecnicamente,
vou fazer xixi”. Depois de um tempo parou de usar a palavra. E nós nunca
descobriremos com é fazer xixi tecnicamente.
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