06 de maio de 2015 | N°
18154
ARTIGOS
NÓS, OS INTERIORANOS
Gosto das conversas das salas de
espera da Santa Casa. Na segunda- feira, estive no Santa Rita para um exame de
rotina. Me sinto inseguro quando a sala está silenciosa demais, sem um paciente
ansioso que puxa conversa com estranhos para tentar esquecer que logo entrará
no tubo da ressonância magnética.
Desta vez, uma senhora dizia que
se casar de novo hoje em dia é um grande risco. E contava a história do
padrasto americano que manteve as enteadas num porão. Por isso, aos 58 anos,
negava-se a se casar pela terceira vez.
Um casal escutava a história, que
parecia antiga. O homem dizia: é a realidade. A narradora contava que a
violência chegou a Lajeado, e o homem concordava: é a realidade.
Fui chamado para a sala seguinte
quando a mulher iria falar de mensagens divinas cifradas que as pessoas não
levam a sério. Uma amiga ignorou uma mensagem, disse ela, bem na hora em que
chamaram para a outra sala.
Na antessala do exame, um alemão
tentava ser engraçado. A TV repetia O Rei do Gado, e duas mulheres
interrogavam-se: Carlos Vereza já morreu?
Sentei-me ao lado de uma delas. A
senhora examinou minha cabeça e, uns cinco minutos depois, encorajou-se a
acionar o comentário guardado. Falou alto, para que todos ouvissem: não se
entra na máquina com cabelo molhado, nem com gel.
Tiro o gel antes de entrar no
tubo, eu disse. E ela fez outra advertência: também não se recomenda cabelo com
tintura pintado há pouco tempo. E voltou a examinar minha cabeça.
Não pinto o cabelo, esclareci.
Conservo meus castanhos de mameluco, de índio charrua misturado com negro,
português e espanhol da Fronteira. Mas que parece, parece, me disse a senhora.
Um morador da Capital não se
meteria a examinar os cabelos dos outros. Os puxadores de conversa de hospital
se denunciam como interioranos. Vêm de Espumoso, Quaraí, São Sepé. Sei porque
sou um deles.
Conversar é interagir com alguém
da cidade para dominar o ambiente e embromar a ansiedade. O interiorano faz
graça, como o alemão que zombava das próprias safenas (estariam entupidas,
depois de seis anos), conta as brigas com o plano de saúde, circula pelos
corredores com um saco de supermercado transformado em trouxa e, antes de
entrar no tubo, fica sabendo que o grande Carlos Vereza continua vivo.
MOISÉS MENDES
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