sexta-feira, 1 de maio de 2015


01 de maio de 2015 | N° 18149
DAVID COIMBRA

A calçada de plástico

Há exatos 20 anos, em maio de 1995, acompanhei uma delegação de empresários catarinenses em missão pela bela Itália. Era uma viagem de trabalho, mas acabou sendo das mais prazerosas que fiz na vida. Um dia, conto mais a respeito. Por ora, quero falar de um episódio ocorrido numa cidade industrial do norte da Bota. Não lembro que cidade era. Lembro que os empresários italianos apresentavam aos brasileiros uma máquina de reciclar plástico.

O plástico velho entrava por uma ponta e saía por outra transformado em calçadas novas. Isso mesmo: lajotas de plástico furadinho, que seriam encaixadas no chão a fim de serem usadas como calçadas baratas e de fácil instalação.

Os italianos mostravam-nos com orgulho uma das calçadas montadas. Caminhamos sobre ela. Então, me agachei, enfiei o indicador no orifício de uma das placas e a levantei.

– Elas não ficam presas? – perguntei.

– Não. É assim mesmo – respondeu um dos italianos.

Balancei a cabeça: – Não vai dar certo no Brasil.

Eles se espantaram: – Por quê?

– Porque a turma vai arrancar isso e levar embora.

Os italianos ficaram embasbacados. Queriam saber por que catzo os brasileiros fariam uma coisa dessas com a calçada em que eles próprios pisavam. Ninguém soube explicar muito bem, mas os brasileiros concordaram comigo, disseram “é, no Brasil não vai funcionar”, e o negócio não foi fechado. Bem.

Você sabe por que no Brasil esse tipo de iniciativa não funciona? Sabe por que orelhões são depredados e tampas de lixeira roubadas? Por que as pessoas sujam as ruas? Por que picham os monumentos?

Porque, para elas, nada daquilo a elas pertence. Para os brasileiros, tudo que é público pertence a uma entidade chamada vagamente de “eles”.

“Eles” ninguém explica o que seja, mas é o Estado. Os brasileiros sentem-se fora do Estado, abaixo dele. Por isso, culpam o Estado por todas as suas vicissitudes. Afinal, aquela entidade superior teria poder para resolver os problemas. Não os resolve porque não quer.

Na França, Luís XIV, o Rei Sol, dizia: “O Estado sou eu”. E era mesmo. Mas, dois Luíses depois, os franceses fizeram a revolução, separaram o corpo do rei de sua cabeça e disseram: “O Estado é nosso”. Hoje, esse é um dos maiores dramas franceses. Como o Estado é deles, eles exigem o usufruto do Estado, e sangram o Estado, e o Estado não aguenta mais.

Na Rússia, o Estado também era do czar. Mas os bolcheviques fizeram sua revolução e avisaram ao povo: “Agora, vocês são do Estado”.

Nos Estados Unidos, os pioneiros chegaram à Costa Atlântica e decidiram começar tudo de novo, juntos e em harmonia, sem ninguém acima deles. Assim, todos concordam em cumprir o acordo social, que é o seguinte: todos têm de cumprir a lei.


Seria o ideal, mas os americanos do Sul trouxeram homens negros da África e os escravizaram. Como a proclamada terra da liberdade suportaria a contradição da escravidão? Não suportou. Dilacerou-se na maior guerra civil do planeta, em que morreram mais de 600 mil pessoas. Os negros foram postos abaixo do Estado, e é assim que ainda percebem a realidade. Os negros americanos não se sentem parte do Estado. Exatamente como nós, brasileiros. Mas a melhor fórmula é a dos velhos colonos ingleses. É dizer: “O Estado somos nós”.

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