sexta-feira, 5 de dezembro de 2014


05 de dezembro de 2014 | N° 18004
MOISÉS MENDES

O elevador

Quando caiu o elevador do prédio da Borges, o que se espalhou de imediato nas redes sociais? Que a culpa era de quem estava dentro do elevador. Porque teriam pulado, porque um estaria bêbado (e dirigia o elevador), ou porque estavam muito felizes.

Há quem se incomode com povo feliz. Percebe-se no vídeo da queda que era uma turma simples e animada. Mas ninguém pulou, ninguém dirigiu o elevador, ninguém cortou o cabo de aço com os dentes. Mas prepare-se: podem dizer, no fim, que a culpa foi deles.

Como todos estão bem, vamos imaginar outra cena. Um elevador sobe com nove empreiteiros e fornecedores de qualquer coisa para os governos e para a Petrobras que possa render superfaturamento e propinas. Na arrancada, no térreo, eram 10 empreiteiros, mas um desistiu. Chamava-se Ricardo Semler. Disse que não embarcaria porque se nega a corromper para poder superfaturar as encomendas do prédio.

O resto do grupo reclamou: oh, Ricardo, deixa disso, todo mundo corrompe, vem com a gente, é assim desde a ditadura. Para com isso, rapaz.

Semler torceu a cara e disse que não. E o elevador subiu. Logo alguém reclamou que tinha muita gente. Outro disse que no começo eles eram poucos, selecionados, eram uma elite trabalhando para o regime. Abriram estradas e construíram o Brasil. Passaram a se meter em tudo.

Depois chegaram vocês, disse o maior, apontando com a barriga para o resto. Mas o que importa é que hoje somos uma família. Importa que estamos juntos no mesmo elevador. Já estivemos em todos os governos, crescemos, somos exemplo de prosperidade para a sociedade. E ninguém fala mal de nós. Falam dos corruptos, dos que recebem as propinas, mas nós estamos livres de ataques.

Um dos empreiteiros mais novos advertiu: é, mas uma hora isso pode arrebentar, é muita gente. O mais otimista rebateu: vamos adiante, até onde der.

No meio do caminho, um empreiteiro chegou a ameaçar que iria descer no 14º andar, que estava velho demais para aquilo. Um dos líderes disse que não, que agora ninguém descia. E foram subindo.

Mas logo se assustaram quando ouviram um estalo. Fez-se o silêncio. Aquele estalo já havia sido ouvido antes. Ouviram-se estalos em todos os governos, mas todo mundo fazia que não ouvia. Um mais calmo determinou: vamos embora, que a manutenção é das boas.

Vai tocando, disseram para o ascensorista. Se nunca caiu, não vai cair agora. Nunca nos pegaram, nunca quiseram nos pegar, só pegaram os bagres e os políticos. Imagine, nós temos bons amigos em cada andar.

E foram. Até que estalou de novo. O mais assustado se alarmou: acho que o Ricardo é que estava certo. O mais experiente, conhecido como Vinte por Cento, pediu calma: no fim a gente dá um jeito.

Na altura do 34º andar, deu outro estalo e o elevador despencou. Foi uma gritaria. Quando chegou ao térreo, aos pedaços, Semler estava na porta. Balançou a cabeça e disse: eu avisei.

Para resumir a história. Ficaram amontoados por uns cinco minutos e discutindo. Quem tinha instalado aquele elevador de R$ 20 milhões? O que havia falhado?

Alguns se feriram com gravidade, outros ficarão com cicatrizes na cara, como aqueles gângsteres do cinema. Mas acredite: é bem provável que, no fim, todos escapem.


E a vida segue. Que entrem os fraudadores do leite. Subiiiiiiindo...

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