EDUARDO
GIANNETTI
Futuro penhorado
O
desejo incita à ação; a percepção do tempo incita o conflito entre desejos. Desfrutar
o momento ou cuidar do amanhã? São perguntas das quais não se escapa. Mesmo que
deixemos de fazê-las elas serão respondidas por nossas ações.
O
que vale para o indivíduo vale também para as escolhas coletivas. O embate
entre os apelos do presente e o futuro sonhado é um traço inalienável da condição
humana. No conto "O Empréstimo", Machado de Assis retrata os percalços
de um homem com "a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho".
A resultante desses impulsos discrepantes era uma só: dívidas.
O
Brasil parece abrigar condição semelhante. Temos a vocação do crescimento, mas
sem a vocação da poupança. E a resultante dessa inconsistência, quando não é inflação
(como na mobilização de poupança forçada de JK) ou crise do balanço de
pagamentos (como no abuso da poupança externa sob Geisel), tem sido uma só: juros
cronicamente elevados.
A
poupança no Brasil, por motivos históricos e culturais, sempre foi pequena
diante das nossas aspirações de crescimento, mas nos últimos anos encolheu
ainda mais. A poupança doméstica está hoje em 13% do PIB --menor valor da série
histórica. Somada à poupança externa de 3,7% do PIB (equivalente ao nosso
deficit em conta corrente), ela financia um investimento em capital fixo
inferior a 17% do PIB.
Para
efeito de comparação, os emergentes de maior dinamismo investem somas que vão
de 23% do PIB (Chile, Peru, Colombia) a 28% do PIB na Índia e 40% do PIB na
China. Quando era nação emergente, no final do século 19, os EUA investiam 30%
do PIB.
Por
que o Brasil poupa e investe tão pouco? O cerne da resposta remete ao "crowding
out fiscal". O Estado brasileiro (União, Estados e municípios) arrecada 36%
do PIB em impostos, gasta 5% do PIB a mais do que arrecada (deficit nominal) e
entrega apenas 2,5% do PIB (PAC "" Plano de Abuso da Credulidade
incluído) em formação bruta de capital fixo.
A
implicação disso é que a capacidade de investimento da nação --setores privado
e público-- fica enormemente prejudicada pelo fato de que o Estado drena 41% do
valor criado pelo trabalho dos brasileiros e transforma esses recursos não em
capital capaz de multiplicar a renda futura, mas em gastos correntes.
E se
alguém imagina que os programas sociais do governo explicam esse quadro é bom
pensar de novo: o Bolsa Família representa 0,5% do PIB ou 1,2% do total do
gasto público --menos que o Bolsa BNDES.
Em
pleno bônus demográfico, quando deveríamos estar poupando e criando as bases da
nossa prosperidade futura, o Brasil está penhorando o seu futuro.
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