sexta-feira, 5 de dezembro de 2014


05 de dezembro de 2014 | N° 18004
MÁRIO CORSO

Tatuagens

Depois que meu cachorro se foi, fiquei sozinho no quesito tatuagem. Todos são tatuados na minha casa. Inclusive me pressionam para fazer uma. Sinceramente, eu passo. As minhas razões são simples, coisa de geração, de idade. Um dos lugares onde mais me sinto à vontade é entre os da minha safra. Olho com entusiasmo as gerações que chegam, acredito serem melhores do que a minha, mas fico no meu posto.

Nunca se precisou tanto do corpo para se fazer um eu. Sempre fomos desde um corpo, mas ele não precisava de tanta evidência, tanto protagonismo. Essa onda de tatuagens é similar à das academias, dos corpos esculpidos, das plásticas, dos cuidados extremados com saúde e alimentação. Hoje precisamos ser lindos, sarados e bem aprumados. Como cultivar a alma não anda em alta, apostamos as fichas no corpo. Por isso, não creio que seja um modismo.

Em resumo: como agora somos mais dependentes do corpo para obtermos uma significação, para sermos alguém, ilustrá-lo faz parte. Recebo pacientes cujas tatuagens foram decisivas para certas significações que de outra forma seriam difíceis.

Além disso, não saberia o que tatuar. Geralmente, as tatuagens são cicatrizes de uma significação, uma tentativa de fazer algo valer mais do que vale. Ou então desenhamos na pele algo que não queremos esquecer, que é nosso, mas de certa forma tem uma exterioridade. Enfim, algo que se situa na borda, está no corpo mas não entra. Como sempre ando em conflito com minhas identificações, teoricamente seria útil sublinhar alguma delas na minha pele, mas, no meu caso, não tenho esperança de que esse uso vá ajudar.

E há ainda a questão estética. Na minha infância, tatuagem era algo marginal e transgressivo. Sem problema, eu achava isso bacana, mas acima de tudo elas eram cafonas, para usar a palavra da época. Vocês não sabem como as tatuagens melhoraram, algumas são praticamente obras de arte, enquanto as primeiras eram padrão cadeia. Mal-desenhadas, mal-acabadas, já nasciam tortas e desbotadas. Essa primeira impressão nunca me abandonou, tanto que emocionalmente elas me remetem primeiro a uma precariedade.

Mas a questão mais importante é a ideia de transitoriedade. Eu sei que não vou escutar as mesmas músicas a vida inteira. Meus gostos e referências mudam. Não tenho certeza de que seguirei com as mesmas opiniões. Talvez as tatuagens sejam para ancorar certezas necessárias, e não me sinto à vontade para tanto.

Ou, pegando pelo lado da imagem, vocês já se viram em fotos antigas com roupas em que nos achávamos arrasando e hoje nos parecem cômicas? Sempre penso na tatuagem como uma roupa indespível, uma espécie de prisão a um conceito. Decididamente, a ideia de não poder ficar pelado ou retirar um signo passageiro me incomoda. Invejo quem tem o conforto de algumas permanências.

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