31/12/2014
e 01/01/2015 | N° 18029
DAVID
COIMBRA
O deus de duas faces
Já passei
o Réveillon em Paris. Não gostei. Fui para a Champs-Élysées ao bimbalhar da
meia-noite, conduzido pelo meu amigo Fernando Eichenberg, o Dinho, para ver a
clássica celebração de Ano-Novo dos parisienses. Pelas barbas de Catherine
Deneuve, foi horrível! Os franceses levam champanhe nacional para a rua e,
depois de beber tudo pelo gargalo, abrem grandes círculos humanos e começam a
jogar as garrafas no meio. As garrafas se quebram, naturalmente, e os cacos de
vidro afiados ficam espalhados pelo chão. Às vezes, um francês bêbado atravessa
o círculo, em desafio aos outros franceses bêbados, que atiram as garrafas
enquanto ele passa. É um troço PERIGOSO!
Também
já passei o Réveillon em vários pedaços das fímbrias do Atlântico, do Rio de
Janeiro ao Uruguai, passando por Xangri-lá. Algumas festas foram gloriosas,
outras nem tanto. Mas tem uma coisa que me incomoda no Réveillon do litoral: os
foguetes. Não os fogos, que são bonitos; os foguetes. Não gosto de foguete. Não
gosto, cara, não gosto. Os gatos ficam nervosos, os cachorros ficam nervosos,
eu fico nervoso e todos temos razão. Para que aquela barulheira toda? Não
consigo entender isso. Sinto-me tão inseguro com as explosões quanto com as
garrafas quebradas nas calçadas de Paris.
Nos
anos 80, tive um Réveillon singular. Morava em Criciúma, trabalhava no Diário
Catarinense e estava duro, durango. Não tinha nenhum, mas nenhum mesmo, nem
para comprar um único cachorro-quente sem molho. Brabeza. Namorava a Janinha,
que hoje está casada com um grande cara, o Oderson. Com ele, ela tem uma linda
filha e vivem, os três felizes, no Paraná.
Ocorre
que, meses antes, eu havia feito uma aposta com o Nenê, dono de um bar que
ainda vigora na cidade, o Varandas. Havíamos apostado um engradado de cervejas,
e eu ganhei. Sentia vergonha de cobrar a aposta, mas a Janinha sempre foi
despachada, sobretudo num momento de necessidade como aquele. Ela foi ao bar,
lembrou a aposta, pediu o engradado e o Nenê, bom perdedor que é, deu. Para
arrematar, ela disse que queria uma pizza e mandou o Nenê pendurar a conta num
cabide ali atrás do balcão. Fomos para o meu apartamento, no 10º andar de um
edifício a duas quadras de distância, e passamos a noite inteira comendo pizza,
bebendo cerveja e rindo, até o alvorecer na região carbonífera. A cidade estava
vazia, ninguém fica em Criciúma no Réveillon, tínhamos só pizza e cerveja e
nenhum centavo. E foi muito divertido!
O
que a gente precisa, para fazer uma boa festa, é gente de quem se gosta. As
mais belas praias do mundo ou a avenida por onde desfilou Napoleão são dispensáveis.
Agora,
vou passar o Réveillon com minha pequena e unida família, eu, minha mulher e
meu filho, no extremo nordeste dos Estados Unidos, numa temperatura de sete
graus abaixo de zero, e me sinto muito feliz. Poderia ter mais amigos por
perto, poderia estar mais quente, poderia ter o chope brasileiro para brindar
antes e depois do champanhe, mas você tem de se divertir com o que está à disposição,
não é?
Esse
é meio que um lema que me guia.
Uma
data como o Réveillon presta-se para exercer esse lema, ou para refletir a
respeito. Janeiro, não por acaso, é o mês de Jano, o deus de todos os finais e
de todos os começos, o deus de duas faces, uma olhando para frente, outra
olhando para trás.
Quando
olho para trás, vejo dificuldades que enfrentei, sim, claro que as vejo, mas
vejo, também, as pessoas que me ajudaram a enfrentá-las. São tantas e seu amor é
tão poderoso... As pessoas. Como já disse, para se fazer da vida uma boa festa,
só se precisa de pessoas de quem se gosta. Elas estão ao meu lado aqui, no
norte do mundo, e também aí, no sul do Brasil. E eu estou com elas. É certo. Como
puder, sempre estarei com elas. Olhando para a frente, vejo-as comigo. Por
isso, a outra face de Jano, a que mira 2015, observe, veja bem: ela está sorrindo.
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