sábado, 20 de dezembro de 2014


20 de dezembro de 2014 | N° 18019
CLÁUDIA LAITANO

A banalidade do bem

Aproveitando um momento em que o sequestrador parecia estar quase cochilando, um grupo de reféns da cafeteria em Sydney correu em direção a uma das portas. Segundo relatos, neste momento o gerente do café, Tori Johnson, tentou desarmar o sequestrador para evitar que ele disparasse contra o grupo. Acabou sendo morto com um tiro na cabeça, mas provavelmente evitou outras mortes.

Atitudes corajosas como essa não são exatamente raras, mas parecem menos estudadas do que as manifestações de crueldade ou torpeza. Em 2014, por motivos mais ou menos óbvios, foram muitos os fóruns de debate, dentro e fora do Brasil, dedicados a analisar em profundidade a maldade humana, suas origens e desdobramentos. Hannah Arendt é uma das referências intelectuais incontornáveis quando o tema entra em discussão.

Cobrindo o julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann para a revista The New Yorker, em 1961, a filósofa alemã analisou o caráter desse homem que dizia apenas obedecer ordens sem refletir sobre o que estava fazendo em termos de certo ou errado, justo ou injusto, humano ou desumano.

Eichmann não era patologicamente cruel como gostamos de imaginar as pessoas que causam o mal, mas apenas incapaz de pensar nos outros ou de colocar-se em risco para defender a vida de alguém – milhões de homens, mulheres, velhos e crianças morreram por causa de sujeitos anódinos como ele. A expressão “banalidade do mal”, cunhada por Hannah Arendt no livro Eichmann em Jerusalém, nos lembra que a maldade faz parte do espectro de comportamento das pessoas comuns e nem sempre é exercida por malucos fanáticos, como o que atacou o café em Sydney, ou cérebros perversos, como o do patrão de Eichmann. O mal está sempre a nossa espreita, mas não apenas do lado de fora.

Na semana passada, a revista Time escolheu como “Pessoa do Ano” homens e mulheres que arriscaram suas vidas ao longo dos últimos meses atendendo vítimas do ebola, em condições muitas vezes precárias, em localidades remotas da África. Para os nossos padrões café com leite de bondade e generosidade, esses médicos e enfermeiros corajosos e desprendidos parecem ser feitos de outra matéria, como se estivéssemos tão distantes deles como estamos dos malucos que atacam escolas e matam criancinhas.

Mas talvez seja mais útil para a nossa espécie encararmos o bem, ou a possibilidade de fazer o bem, como algo tão próximo de nós quanto o mal pode ser – ao alcance de pessoas não tão corajosas nem tão desprendidas como a maioria de nós.

Uma das reportagens que li nesta semana sobre Tori Johnson – um rapaz de 34 anos, gerente do café onde foi morto há dois anos e casado com o mesmo homem há 14 – dava uma boa definição para pessoas como ele: “Heróis são pessoas boas que, colocadas em circunstâncias excepcionais, permanecem fiéis ao seu caráter”.


Que, em 2015, as “circunstâncias excepcionais” felizes sejam muito mais frequentes do que as outras – mas que, seja lá o que o novo ano nos reserve, todos tenhamos a força e o desejo de nos mantermos fiéis a tudo aquilo em que acreditamos. Nos vemos lá.

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