13
de dezembro de 2014 | N° 18012
ARTIGO
- ANTONIO VICENTE MARTINS*
HOMENS, CARROÇAS, CAVALOS E CARRINHOS
Já faz
mais de um ano que escrevi um texto, publicado em Zero Hora. Era um texto sobre
carroças, cavalos e homens, sobre a Lei 10.531/08, que está em vigência
em
Porto Alegre e que decretou o fim da circulação de veículos de tração animal
e
humana na cidade. Afirmei naquele texto que a lei era formulada fora da
realidade social em que vivíamos. Na verdade, a lei pretendia proibir os
homens, proibir a pobreza. A lei pretendia proibir o trabalho.
A
lei prometia incorporar os catadores de lixo de nossa cidade na modernidade
produtiva com cursos de reciclagem que tornariam esses trabalhadores, que
viviam em situações de extrema pobreza, em novos atores sociais, capacitados
para a inclusão social. Na verdade, a ideia era “limpar” a cidade na véspera da
Copa do Mundo, a preocupação era a mobilidade urbana.
A
Copa do Mundo já passou, as carroças quase desapareceram, os carrinheiros
tiveram seus instrumentos de trabalho apreendidos pelos burocratas do poder,
mas sua pobreza continuou. A administração pública não conseguiu incluir os
catadores de lixo nas modernas formas de produção. Os catadores não se
transformaram em empreendedores de sucesso e nem tiveram oferecidos empregos
dignos. Os catadores tiveram precarizados seus mais elementares direitos. Eles
continuam catadores, mas estão incrivelmente mais pobres, porque agora têm que
catar o lixo em pequenas porções, empurrando carrinhos de supermercado.
Passamos
por diversos seres humanos, diariamente, pelas ruas da cidade, empurrando
carrinhos de supermercado cheios de sucatas que são vendidas para a reciclagem
em um trabalho de conta-gotas. Se antes esses catadores empurravam carrinhos
maiores, que acumulavam o conteúdo de cinco carrinhos de supermercado, agora
devem contentar- se com o ganho da catação de um carrinho de supermercado.
E a
lei? A lei continua valendo. Os veículos de tração animal e humana estão
proibidos. A pobreza está proibida. Mas a lei não proibiu os homens e o
trabalho. Os homens seguem trabalhando, empurrando um carrinho de supermercado
carregado de sucata, buscando sua dignidade. Mas quem se importa? Está proibida
a circulação de veículos de tração animal e humana nas ruas da cidade.
*Advogado
do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região Metropolitana
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