sábado, 13 de dezembro de 2014


13 de dezembro de 2014 | N° 18012
CLAUDIA LAITANO

Cafajeste ostentação

Há o sujeito que cometerá as piores vilanias sem jamais tomarmos conhecimento. O cafajeste low profile age com a discrição e a meticulosidade de um relojoeiro. É muito difícil flagrá-lo ou responsabilizá-lo por seus atos – e, quando sua verdadeira natureza vem à tona, muitas vezes já é tarde demais para qualquer tipo de justiça ou reparação.

Ninguém está livre de conviver com o cafajeste discreto sem ter a mínima ideia do que ele faz ou pensa, e ele é tão mais perigoso quanto mais difícil é reconhecê-lo. Há no seu teatro de polidez e bons modos, porém, o reconhecimento tácito de que existem comportamentos, opiniões e mesmo inclinações patológicas de caráter que devem permanecer ocultas da maioria razoável – como uma suástica escondida no fundo de uma piscina.

No outro extremo da torpeza, encontramos o cafajeste modelo ostentação, aquele tipo que não apenas não esconde as barbaridades que pensa, por mais que elas se choquem com a pauta mínima de bom senso e civilidade observada pela maioria, como se orgulha do fato de ser “autêntico” e de não se curvar ao “politicamente correto”.

O paladino das trevas percebe a si próprio como o arauto de um paraíso perdido – um mundo em que se sentia mais seguro e poderoso, mas que ele sabe, melhor do que ninguém, que não existe mais. Sua infausta nostalgia é compartilhada por pessoas que pensam e sentem como ele, mas não dispõem da tribuna – ou da ousadia – para proferir em público o que resmungam na intimidade e nas caixas de comentários anônimas da internet.

Se o cafajeste low profile assusta pela inteligência e pela capacidade de agir sem chamar a atenção, adaptando-se ao hospedeiro como um vírus que busca aumentar suas chances de sobrevivência, o cafajeste ostentação normalmente é considerado tolo ou mesmo inofensivo. Como um resfriado: incomoda, é inconveniente, mas não é sério. É muito fácil tomá-lo por louco ou simplório, o que lhe dá tranquilidade e espaço para exercitar seu histrionismo de opereta sem ser incomodado.

O cafajeste low profile é cosmopolita e capaz de adaptar-se a qualquer cenário ou paisagem, dado que age longe do escrutínio público. O cafajeste ostentação, por sua vez, é provinciano. Terá o espaço e a feição que as circunstâncias lhe oferecerem. Se habita uma sociedade suficientemente permissiva e atrasada para colocá-lo diante de uma caixa de ressonância que amplia seu delírio, continuará testando os limites de indignidade até encontrar algum ponto de resistência. Se encontrar.


O cafajeste ostentação sobrevive menos pela aprovação de quem se sente representado por ele do que pelo grau de tolerância da sociedade que o hospeda. Enquanto se aceitar, passivamente, que qualquer tipo de vilania seja justificado por uma ideia distorcida de democracia, que legitima a violência e a incitação ao crime, o cafajeste fanfarrão vai continuar crescendo. Não como um resfriado, mas como um câncer.

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