23
de dezembro de 2014 | N° 18022
DAVID
COIMBRA
Luzes de Natal, seres humanos
elétricos e a pujança do capitalismo
Tomo
cada choque aqui... Sério, choque mesmo, não choquinho. Basta encostar em uma
maçaneta ou em qualquer objeto de metal que... bzzzz! Um choque forte! Como se
metesse os dedos na tomada.
Você
não vai acreditar, mas já tomei choque até de madeira, que nem é condutora de
eletricidade, deve ser madeira fake de americano, sei lá, só sei que tomo
choque de madeira e de outras pessoas. Minha mulher volta e meia reclama:
– Tu
estás chocante hoje!
Explicaram-me,
os americanos, que tem a ver com o frio e o clima seco. Você fica carregado de
eletricidade e, de súbito, descarrega quando em contato com algo que funciona
como condutor. Agora: por que você fica carregado de eletricidade? Isso não
sei. Alguém inteligente e didático, por favor, me diga como uma coisa dessas pode
acontecer com um ser humano.
O
fato é que a vida é diferente aqui, ao norte do mundo. Tem uma rádio de Boston
que desde o meio de novembro, desde antes do famoso Dia de Ação de Graças, está
tocando música de Natal. E não é música de Natal de vez em quando. É SÓ música
de Natal, música de Natal o dia inteiro, sem parar, sem nenhuma outra música a
não ser música de Natal. Não imaginava que existisse tanta música de Natal, por
Deus.
Às
vezes tiro do rock and roll clássico da WROR e sintonizo nessa rádio para
conferir se continua rolando música de Natal. Não dá outra. Música de Natal e
música de Natal, como se você estivesse o dia todo na frente das Lojas
Americanas, ouvindo a Simone cantar “...a festa cristã...”. Credo.
É
insuportável. Todo aquele amor fraternal escorrendo do radinho, melecando o
ouvido da gente. Dá para aguentar duas músicas, no máximo. É muito dingobéu
para um homem tão pouco natalino feito eu. Como é que essa rádio se sustenta?
Como ela tem audiência? O inteligente que me explicar sobre os choques me
explique isso também, por amor de Santa Claus.
Natal
é festa de criança. Tenho que aproveitar enquanto meu filho é pequeno, porque,
depois, quando ele se tornar adolescente, se tornará também cínico, como todos
os adolescentes, e aí foi-se um pedaço da magia do mundo e a chance de um pai
se consagrar. Então, exerço todas as ortodoxias natalinas com meu filho. Há uns
dois anos, levei-o para ver o Natal Luz de Gramado. No fim de semana passado,
levei-o para ver o inigualável Natal de Nova York.
E o
Natal de Nova York é mesmo inigualável, mas, em alguns pontos, é igual ao de
Gramado. Dois exemplos: a decoração feérica da cidade, algo excelente, e a
quantidade de gente na rua, algo nem tanto. Sentia-me, nas avenidas de
Manhattan, como me sentia na Emancipação, em Tramandaí, nos verões dos anos 70.
Quanta gente! Era difícil de caminhar. Minha avó teria comentado:
–
Será que é a saída da fábrica?
Fomos
ao grandioso espetáculo de Natal da Radio City e, na saída, ao ingressarmos na
5ª Avenida, deparamos com o desfile de carros da Chanukah, a festa das luzes
dos israelitas. Muito bonito e tudo mais, só que, naquele frio de zero grau,
não conseguíamos pegar um táxi, o que é espantoso para Nova York, a cidade mais
bem servida de táxis do mundo. Seguimos em frente. Havia turistas por toda
parte, comendo cachorros-quentes nas esquinas, carregando sacolas de compras.
Os
restaurantes estavam todos lotados e havia filas de meia quadra nas portas das
lojas. Filas para comprar! Os Estados Unidos, definitivamente, emergiram da
crise de queixo erguido e peito estufado.
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