27
de dezembro de 2014 | N° 18025
DAVID
COIMBRA
Dilma é
honesta
Jeferson
é motorista de táxi em Porto Alegre. É um negro magro, dono de uma voz grave e
limpa, que usa para contar histórias com impecável concordância verbal. Tomei o
táxi dele para ir a uma festa, meses atrás – eu e Marcinha tínhamos a intenção
de beber naquela noite. Chegando ao local, anotei seu telefone a fim de
chamá-lo para voltar para casa. Tudo bem, tudo certo. Só que, na hora de pagar
a corrida, eu só tinha uma nota grande, e ele estava sem troco. Ele não queria
cobrar, mas não permiti. Dei o dinheiro e disse que o chamaria outro dia, para
outra corrida. Só que acabei me mudando para os Estados Unidos e esqueci desse
episódio.
Bem.
Agora,
neste dezembro, passei alguns dias em Porto Alegre. Estava sem carro e
precisava dar umas voltas. Liguei para empresas de teletáxi. Sem sucesso. Nem
me atendiam. Aí lembrei do Jeferson, liguei para ele e, em poucos minutos,
estava rodando pela cidade. Ocupei-o por algumas horas e, finalmente, no
momento em que saquei o dinheiro do bolso para pagar, ele:
–
Não mesmo. Hoje é de graça. – Como assim?
Não
lembrava que havia lhe dado dinheiro a mais, meses antes. Ele, sim. Insisti em
pagar algo, até porque a corrida devia ter saído mais cara do que a do passado.
Não adiantou, ele não aceitou.
Saí
do táxi pensando em algo que sempre me assombra: a sólida honestidade do povo
brasileiro. Não estou sendo irônico. Pense: a impunidade grassa neste país.
Além disso, a rigor, qualquer um pode fazer praticamente o que quiser, porque o
aparato repressivo é ineficaz – você só encontra polícia na rua quando tem
Copa. Há incentivo diário à desonestidade no Brasil. E, mesmo assim, a grande
maioria da população é honesta. Vá a qualquer favela carioca, a qualquer vila
pobre de Porto Alegre e você verá o mesmo: uma pequena parcela de bandidos
vivendo em meio a pessoas trabalhadoras e cumpridoras de suas obrigações.
São
essas pessoas que não podem ser perfiladas a certo tipo de gente que ora ocupa
cargos no governo brasileiro. Mas, na sua defesa desesperada das denúncias de
corrupção em que se refocila, o governo faz exatamente isso: alega que todos
são iguais a ele. Foi esse o argumento durante toda a campanha eleitoral e,
dias atrás, a presidente chegou a dizer, em seu discurso de diplomação, abre
aspas:
“É
preciso uma nova consciência, uma nova cultura fundada em valores éticos
profundos. Ela tem de nascer dentro de cada lar, dentro de cada escola, dentro
da alma de cada cidadão e ir ganhando, de forma absoluta, a esfera pública, as
instituições e todos os núcleos de decisões”.
OPA!
Espere aí, presidente! Fale pelo seu governo! A imensa maioria das pessoas que
conheço é honesta! Na verdade, conheço pouquíssimas pessoas desonestas, e
conheço proletários e empresários, descamisados e magnatas. Digo mais,
presidente: acho que até a senhora é honesta e vários integrantes do seu
partido também o são. Mas o seu governo e o seu partido não têm sido.
Existe
corrupção no seu governo, e a senhora sabe disso. A mudança, portanto, não deve
se dar a partir dos lares brasileiros para migrar em direção à esfera pública,
como a senhora propôs. Não! Tem de começar aí por cima, por Brasília, pelo seu
partido. Tem de sair das entranhas do governo federal. Roubaram antes? Decerto
que sim. Mas vamos resolver os problemas que estamos enfrentando agora, e
grande parte dos nossos problemas é a craca corrupta que se grudou no governo.
No seu governo. Remova-a, presidente, e comece a mudança. Em nome do motorista
Jeferson e de todas as mulheres e homens corretos deste país.
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