quarta-feira, 10 de dezembro de 2014


10 de dezembro de 2014 | N° 18009
MARTHA MEDEIROS

TODOS OS DIAS EM CARTAZ

Passei uma semana em Portugal e trouxe de lá algumas ideias para crônicas, mas elas terão que esperar, pois nesse meio-tempo fui assistir a Boyhood e se eu adiar meu comentário temo que você perca o filme. Pois é, estou assumidamente recomendando-o, o que sempre é um risco. Uma amiga foi ver Relatos Selvagens depois de ler a coluna em que eu o celebrava e saiu no meio, mas prefiro achar que ela estava num dia ruim, apenas.

Um casal também saiu no meio da sessão em que eu assistia a Boyhood, e estou certa de que eles receberam uma chamada avisando que sua casa estava em chamas, só pode. O filme é longo, mas curtíssimo se considerarmos que narra a trajetória de um garoto entre os seis e os 18 anos – com o mesmo ator. Um filme rodado durante 12 anos, acompanhando pacientemente um menino se transformar em homem, merece que fiquemos reles 165 minutos colados na poltrona do cinema. E esse é só um dos motivos.

Boyhood é daqueles filmes em que não acontece nada, a não ser a vida. É comovente assistir ao amadurecimento do garoto Mason através da sua relação com os pais divorciados, do convívio com sua irmã implicante, de seu despertar para a sexualidade através de revistas de mulher nua, do bullying na escola, das relações com padrastos indesejáveis, da necessidade de se autoafirmar junto aos amigos, do primeiro amor, do pavor de vir a reproduzir o mesmo destino trilhado pela geração passada e das dúvidas infinitas sobre o que ser quando crescer – se é que vale a pena crescer num mundo que oferece tão poucas saídas originais.

É sobre isso tudo o filme em que não acontece nada.

Saí do cinema envolvida por aqueles seres humanos que, na tela, mostram o quanto somos diferentes uns dos outros e o quanto a necessidade de se ajustar iguala a todos. Me identifiquei com os pais que buscam encurtar as distâncias com os filhos e fiquei mais tolerante com os filhos que precisam de distância para continuar a se relacionar bem com os pais.

Vi a mim mesma nos variados papéis já interpretados até aqui (filha, mãe, mulher etc.) e com papel nenhum, à deriva. Mas sem melancolia, apenas com o reconhecimento sereno de que o tempo passa, dando a impressão de que os dias se repetem idênticos, mas na verdade cada dia vivido encerra em si uma história apaixonante com começo, meio e (melhor de tudo) com um fim sempre em aberto, com continuidade amanhã.


Quando foi publicada a crônica “Luz fria”, em 23/11, eu estava fora do Brasil, de férias, o que tornou impraticável responder aos quase 150 e-mails recebidos, todos solícitos em listar os variados tipos de lâmpadas com luz cálida disponíveis no mercado. Então fica aqui um agradecimento coletivo por me avisarem do que eu não sabia e a confirmação do que eu sempre soube: cálidos são vocês, queridos leitores.

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