segunda-feira, 22 de dezembro de 2014


22 de dezembro de 2014 | N° 18021
DAVID COIMBRA

Uma mulher se olhando no espelho

Ela era oriental. Grandes olhos escuros e amendoados. Uns vinte e poucos anos, o negro reluzente dos cabelos se derramando à altura dos ombros, a pele cremosa. Você entende o que é uma pele cremosa? Dessas boas de se tocar.

Há orientais aos cardumes por aqui. Japonesas, chinesas, coreanas, vietnamitas. As vietnamitas trabalham como manicures. Pelo que apurei, praticamente todas as manicures da cidade são vietnamitas. Qual é a razão disso?, aí está algo que alguém algum dia vai ter de me explicar.

Essa menina não se parecia com uma manicure vietnamita. Tinha jeito de ser coreana, talvez estudante de uma das tantas universidades de Boston.

Estávamos no trem.

No trem, o que as pessoas fazem no trem, por aqui, é lidar com seus celulares. Quase todos, senão todos, passam a viagem olhando para o colo e digitando com os polegares.

A habilidade de digitar com os polegares é algo que me fascina. Como conseguem? Meus polegares, positivamente, não dispõem dessa motricidade fina.

Faço questão de deixar o celular no bolso, quando no trem, exatamente para poder observar as pessoas, como fazia agora com a moça oriental. Ela também não manuseava o celular, mas não me via, não olhava para ninguém. Nem olhar para dentro do vagão olhava. Foi o que mais me chamou a atenção: ela olhava pela janela.

Ocorre que o trem tinha penetrado na terra, tinha virado metrô, e não havia nada para ver, além de paredes passando em rápida sucessão. Mas ela não desviava o olhar da janela. Para que olhava?

Só compreendi depois de alguns minutos: ela olhava para ela mesma. Fitava sua própria imagem refletida no vidro, como se estivesse diante de um espelho. Era um olhar de exame intenso. Levantou um pouco o queixo, entreabriu os lábios – era dona de lábios carnudos, principalmente o lábio superior. São especialmente misteriosas as mulheres de lábio superior mais polpudo do que o inferior. Um naco branco de seus dentes frontais apareceu. Ela agora respirava pela boca.

Semicerrou os olhos. Ergueu a mão devagar e levou dois dedos até o rosto. Tocou-se. Acariciou aquela pele cremosa com suavidade, desceu os dedos até a base do queixo e, finalmente, sorveu um gole de ar. Continuou se admirando, virou o rosto de leve para um lado e para outro, para se ver de perfil. Devia estar se achando bonita.

Então, pensou em algo. Acho que em alguém.

Na verdade, tenho certeza de que pensou em alguém, porque, em um segundo, desviou o olhar da janela e deixou os olhos vagando pelo vazio do ar do vagão. Enfim, baixou a cabeça, abriu a bolsa que levava sobre as pernas e de lá tirou o celular. Começou a digitar com os polegares, como faziam os outros passageiros. Suponho que tenha mandado uma mensagem, suponho que tenha sido para um homem, porque seu rosto de repente se iluminou.

O que ela escreveu? Que mensagem enviou? Queria tanto saber. Foi algo definitivo. Porque, em um segundo, ela voltou a se mirar no vidro da janela, e ali havia uma expressão nova. Ali havia um sorriso. Um sorriso mínimo, mas, sem dúvida, de vitória.


Estávamos na minha estação. Eu tinha de desembarcar. Vacilei um segundo, mas por fim desci. Fiquei olhando o trem ir embora, levando com ele uma mulher que não precisa mais do que olhar para si mesma para se sentir feliz.

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