segunda-feira, 22 de dezembro de 2014


22 de dezembro de 2014 | N° 18021
L. F. VERISSIMO

Meios e fins

A resposta indicada para a pergunta “O que você acha de Cuba?” era “Qual Cuba?”. Havia a Cuba que se transformara de bordel dos Estados Unidos em país independente, inclusive dos Estados Unidos, a Cuba que resistira durante anos à retaliação americana enquanto dava lições ao resto da América Latina em matérias como saúde pública e educação universal, a Cuba do idealismo preservado apesar de todas as privações – e a Cuba dos paredões, das prisões políticas, da censura à imprensa, da perseguição a dissidentes e do culto à personalidade dos irmãos Castro, eternizados no poder.

Era possível admirar uma Cuba e lamentar a outra. Ou não era? A dúvida nos remetia à velha questão, velha como o tempo: quando é que os fins justificam os meios? Até onde a Cuba admirável dependia, para sobreviver a tão poucos quilômetros da Flórida, da Cuba lamentável? Felizmente, quem não era cubano não precisava se definir. As relações das duas Cubas eram apenas pontos de um debate teórico.

O século passado viu a representação mais dramática até hoje da velha questão de meios e fins, ou da também velha máxima segundo a qual é impossível fazer omeletes sem quebrar ovos: o salto da China comunista, de uma sociedade feudal em que se morria de fome a uma sociedade que consegue alimentar mais de 1 bilhão de pessoas. A quantidade de cascas de ovos quebradas para fazer esta omelete foi incalculável.

Sob a ditadura maoista, uma geração inteira se sacrificou para que a maior transformação social de que se tem notícia chegasse a um bom fim, a China moderna. O resultado absolveu os meios? Teoricamente, sim. Mas é certo que nenhum dos sacrificados pela revolução chinesa tinha teorias sobre a nova sociedade que estava ajudando a construir, e ninguém lhe perguntou.

O José Onofre, que não está mais entre nós para nos fornecer frases definitivas, costumava dizer que não se pode, mesmo, fazer omeletes sem quebrar ovos, mas que precisamos nos precaver de quem não quer fazer omeletes, quer é ouvir o crec-crec das cascas sendo quebradas. Os apologistas da tortura (outros teóricos) gostam de alegar que os fins justificam quaisquer meios para atingi-los, mesmo os mais bárbaros.

Mas é impossível distinguir quem pensa realmente que tortura adianta de quem só participa de torturas pelo prazer do crec-crec. O relatório recém publicado sobre a tortura praticada pela CIA concluiu que em nenhum caso o “interrogatório intensificado”, o eufemismo deles, produziu alguma informação aproveitável. Conclui-se que no mundo dos torturadores os sádicos sejam maioria.


A aproximação de Cuba e Estados Unidos significa que velhas queixas serão esquecidas. Já foram libertados prisioneiros dos dois lados. O bordel talvez não reabra, mas os cassinos, os turistas e os dólares voltarão, e Las Vegas que se cuide. Em suma, um bom fim.

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