27
de dezembro de 2014 | N° 18025
NÍLSON
SOUZA
SELFIE NA
MANJEDOURA
Scliar
diria que este é um daqueles nomes que condicionam destinos. O homem chama-se
Merison Pinheiro e pintou um quadro de Natal sintonizado com os tempos atuais.
No desenho, exposto num supermercado de Ponta Grossa, no Paraná, vê-se a
família sagrada do cristianismo num momento impensável para os tempos
pretéritos em que a história teria ocorrido. José empunha um celular, abraça
Maria e registra a cena familiar, com o menino Jesus ao fundo em seu berço
rústico, forrado com capim seco.
A
selfie na manjedoura foi criada pelo artista com nome de árvore, que queria
apenas dar um toque de humor à cena clássica – o que conseguiu com leveza e bom
gosto. Mas o quadro que atrai olhares e arranca sorrisos também permite uma
constatação filosófica: nunca mais teremos mitos construídos por narrativas
orais ou escritas dissociadas da imagem.
Antes
que os religiosos mais radicais se manifestem, vou lembrando que mito não
significa mentira nem verdade. É apenas uma história baseada na tradição ou nas
lendas, que tenta explicar fenômenos naturais ou fatos de difícil comprovação.
Isso, evidentemente, antes da tecnologia de captura de imagens. Tomé, o
apóstolo cético, jamais teria duvidado se um de seus companheiros tivesse
fotografado ou filmado a primeira aparição de Cristo ressuscitado.
Imagens
impressionam. Os grandes mitos da História só alcançaram as massas depois que
os pintores da Idade Média e do Renascimento começaram a documentá-los. Mas as
reproduções nem sempre retratam a verdade. Dom Pedro II, contam os
historiadores, casou-se com Teresa Cristina por procuração, conhecendo apenas
um retrato retocado da princesa italiana – que em nada conferia com a realidade
da futura imperatriz brasileira.
A
tecnologia digital permite manipulações ainda mais convincentes. Rugas são
eliminadas, pessoas que não estavam na cena aparecem misteriosamente no
retrato, indesejáveis podem ser apagados e até seres de outras épocas podem ser
ressuscitados em imagens coloridas.
Depois
do Photoshop, é mais sensato acreditar num mito do que numa fotografia.
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