sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Jaime Cimenti

Papai Noel encontra Jesus Cristo

- Ah, não, não acredito, tu te queixando da vida, Papai Noel? Não é possível! Ainda dás um baita Ibope, se é que acreditas. Andas aí com renas voadoras, flamante trenó, essa roupa maneira, essas botas, estás bochechudo, rosadinho, ganhando beijinhos das guriazinhas nos shoppings. Faz favor, né? Me poupe.

- Pois é, depois das propagandas da água mineral e do Ginger Ale, em 1915 e 1923, da White Rock Beverages e, depois, do grande lance da Coca-Cola em 1931, com o imortal traje vermelho e branco, não nego que recebi um upgrade. Vermelho e branco ganha tudo, não é verdade? Mas nos últimos tempos, a coisa está meio assim. A gurizada só quer saber de selfies comigo, não me dá muito carinho. 

A piazada anda bebendo cedo e anda meio mal-educada, com pouca paciência para delicadezas. Vou dar os livros de etiqueta da Célia Ribeiro e da Danuza Leão de presente para eles. O pessoal da propaganda anda me escanteando, sei lá, acho que vou procurar um consultor de imagem bom aí no bairro Rio Branco. Uns marqueteiros e publicitários disseram que eu morri, que horror.

- Calma. Tu és um guri, não tens nem dois séculos. Tens que acreditar em ti, manter o foco e ir atrás dos teus sonhos. Tenho dois mil anos e pouco, te entendo, conheço bem época de Natal, essa coisa de imagem, patrocínios. Complicado, né? As pessoas andam consumistas, pragmáticas, apressadas, estressadas, não estão ligando o suficiente para o espírito do Natal. Querem saber do ter, não do ser. Precisa paciência de Jó com essa galera que não tira nunca as pontas dos dedinhos dos smartphones.

- É verdade, Jesus. Imagina que tenho recebido muitos pedidos de energéticos, lava-jatos, Ritalina e Rivotril, para adultos e de crianças. A coisa não está mole. Mas, vamos adiante, não é, Meu Senhor, que a vida continua, o sonho não pode morrer e não posso ficar chorando de barriga cheia. Fica feio. Fica ruim dizer que já estou de saco cheio muito antes do Natal. O pessoal do Face não curte esse papo.

- Deus te abençoe, Noel. Não te queixa, especialmente para mim, que tenho mais motivos que tu para queixas e estou firme. És uma referência boa neste mundo que chamam de pós-moderno, sem regras definidas, conceitos éticos elastecidos, morais duvidosas, tudo estilhaçando pelos ares, vale-tudo geral. Não demite os elfos que fabricam os brinquedos que distribues. Responde as cartinhas das crianças, presenteia as educadinhas. Ama o próximo. Ainda estás no lucro, Noel. Deus te ilumine. E vou indo que lá vem o Pelé se queixar, achando que Deus e eu tínhamos esquecido dele. Vê se pode.

Jaime Cimenti


Nenhum comentário: