quinta-feira, 11 de dezembro de 2014


11 de dezembro de 2014 | N° 18010
L. F. VERISSIMO

A aposta

Tinham jantado na casa de amigos e mais tarde, na cama, Maria perguntou a José:

– Aquilo que você contou no jantar, é verdade?

– O que, da aposta? – É. Pra mim você nunca tinha contado.

– Contei não? Contei sim! E, também, faz tanto tempo. – Você não achou que eu deveria saber?

– Foi uma bobagem, Maroca. Daquelas coisas de mesa de bar quando já está todo mundo meio alto...

– Mas você apostou mesmo que, a primeira mulher que entrasse no bar, você casaria com ela?

– Apostei. E, felizmente, a primeira mulher que entrou foi você, a mulher da minha vida, a mãe dos meus três filhos, minha querida esposa há 35 anos, 35 anos de felicidade e...

– E se tivesse entrado outra? – Mas não entrou.

– Mas se tivesse? Pela aposta, poderia ser qualquer mulher. Bonita, feia, branca, preta, amarela, manca, louca...

– Claro que não. Se não fosse uma mulher linda como você, eu não manteria a aposta. Mas quis o destino que...

– Não, Zeca. O destino não. O acaso.

– Então tá: o acaso. Não é assim que acontecem todos os casamentos? As pessoas se conhecem por acaso, se apaixonam e se casam. O acaso é apenas um instrumento do destino. E o nosso destino era 35 anos de um casamento perfeito.

– 35 anos por acaso. Porque um dia eu entrei num bar pra tomar uma Coca-Cola. Está aí, devemos nossa vida a uma Coca-Cola, que, aliás, você pagou. E a uma aposta. Uma aposta, Zeca.

– Já me arrependi de ter contado a história. Se não contasse, você nunca ficaria sabendo.

– Mas agora eu sei. Só não sei como eu vou conseguir viver, daqui pra frente, sabendo.

– Ora, Maria! Que diferença faz como nós nos encontramos? Se não fosse a aposta, nos conheceríamos de outra maneira. De qualquer jeito, nossa vida de casados seria exatamente igual.

– Não, Zeca. Estou me imaginando naquela calçada, há 35 anos. Com calor, com sede, me perguntando: entro ou não entro num bar pra tomar uma Coca?

– Entra no bar, Maria.

– Entro ou não entro? Que vida eu teria se não entrasse no bar? Em quem eu esbarraria, na esquina, por acaso? Talvez um milionário, com quem me casaria, e hoje estaria vivendo num condomínio em Boca Raton? Talvez...


– Entra no bar, Maria!

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