terça-feira, 16 de dezembro de 2014


16 de dezembro de 2014 | N° 18015
MOISÉS MENDES

Crenças e crendices

Já acreditei em coisas improváveis, até no poder das garrafas PET com água que eram enfileiradas nos muros para frear o giro do reloginho da luz.

Vi as garrafas postas ao lado do poste do contador se disseminarem pelos bairros, e não só nas casas dos pobres, nos anos 80. Só não usei porque morava em apartamento. Até que um dia um físico disse que aquilo não funcionava e estragou tudo.

Depois, acreditei por anos que uma colher enfiada na boca de uma garrafa segurava o gás do refrigerante que ficou pela metade. Eu usei a colherinha. Usava também uma fita do Senhor do Bonfim no pulso. Quando rebentasse, eu teria a resposta para três pedidos. A colher funcionava melhor.

Naqueles anos 80, as pessoas acreditaram até em truques que acabariam com a inflação. Acreditou-se no Sarney (eu acreditei). Depois, muitos acreditaram (eu não) nos jornalistas que fizeram grande esforço para inventar o Collor como caçador de marajás. A colherinha nunca mais funcionou, mas os que inventaram Collor e o próprio Collor continuam funcionando, e bem, e ainda há quem acredite neles.

Eu prefiro ter até hoje a dúvida sobre as colheres e as garrafas PET coloridas. Quantos apagões não foram evitados pelas garrafas PET? As garrafas induziam as pessoas a economizar luz e a acreditar que a redução no consumo era resultado de uma mágica.

Não era a racionalidade, mas a crença no inexplicável que lhes ajudava a lidar com a conta de luz, com a inflação e com o Sarney.

Naquele tempo, o único que ficou com fama de corrupto no Brasil e caiu foi o Collor. Políticos eram corrompidos por uma entidade abstrata que nunca ninguém identificou. O corruptor não existia como figura visível.

E muita gente acreditava (eu não) que era assim mesmo, até os anos 90. Que a Petrobras era íntegra, que as empresas nunca pagaram propina para ninguém e que os grandes grupos fornecedores de equipamentos e serviços se submetiam às normas da moralidade e da ética.

Por muito tempo, até dias atrás, muitos acreditaram que os partidos políticos lambuzavam-se na dinheirama das empreiteiras porque assim deveria ser, não havia outra saída, todos pegavam, nunca daria nada. Era normal.

Ainda hoje tem gente que acredita que a máquina corruptora das empreiteiras é uma invenção recente, como o iPad, o smartphone e o cinismo seletivo.

Tem gente que não acreditava no poder das garrafas PET, mas acredita que os empreiteiros foram apenas vítimas da ganância de servidores inescrupulosos.

Pobres empreendedores. Tem gente que acredita que o superfaturamento de obras é uma invenção deste século de funcionários públicos criativos, que operam contra a vontade de empreiteiros honestos.

E tem quem acredite ainda que o capitalismo do compadrio é o modelo ideal para as empreiteiras, porque foi o que nos sobrou de todas as tentativas de implantar a competição de verdade no país.


Que a competição não atrapalhe ninguém, e os acertos entre amigos presidam as relações com os governos e com todo mundo. O povo, se quiser, que vá procurar capitalismo de verdade na Ucrânia, no Turquemenistão ou na China.

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