CONTARDO
CALLIGARIS
Paz e presentes na terra
Desta
vez, fiquei a fim de discutir com os que criticam a gastança, os presentes e a
engorda de Natal
Sempre
tem alguém para se queixar de que o espírito do Natal teria sido roubado pelo
comércio. Os presentes e a gastança teriam nos distraído de algo bem mais
importante, e o significado "profundo" da festa se perderia na orgia
de compras.
É bom
lembrar, aliás, que essas compras são para os outros (especialmente as crianças),
mas também (uma parte significativa) são presentes que a gente se dá.
Natal
nos torna generosos com os outros e indulgentes com nós mesmos. De repente, eu
também sou uma criança com direito absoluto ao sorriso; portanto, autorizo-me a
comprar aquela coisa que quero tanto, que realmente não cabe no meu orçamento e
a qual, no fundo, sei que não usarei nunca.
Na
mesma veia da indulgência temporária, no Natal me autorizo a engordar. Não é preciso
(e é difícil) achar alguma graça gastronômica na comida tradicional do Natal,
mas, de antemão, estou disposto a ganhar dois quilos, pelo prazer de
interromper aquele regime ao qual me submeto há meses.
Enfim,
não pretendo que o Natal se confunda com decoração de shopping, presentes e
tempo de engorda. E, sem dúvida, mais de uma vez, no passado, critiquei o
consumismo natalino. Mas, desta vez, fiquei a fim de discutir com os que
criticam os presentes e a ceia de Natal.
Tudo
bem, concordo: Natal é uma festa de sentimentos e afetos (solidariedade, amor
ao próximo etc.). Uma espécie de candor talvez fosse a disposição mais desejada
quando eu era criança --isso, e a sinceridade na hora de escrever a cartinha ao
menino Jesus.
Agora,
às vezes suspeito que a história dos sentimentos seja uma desculpa para evitar
passar algumas tardes cansativas procurando (ou inventando) presentes.
A
grande dificuldade não está em gastar com os presentes; a dificuldade está em
ter que se perguntar qual seria o presente certo para cada amigo e parente. O
que ela gostaria mesmo de receber? Como surpreender o outro por termos
adivinhado o que ele queria?
Prova
disso, estou muito a fim de fazer um presente quando tenho uma ideia clara do
que poderia ser.
Neste
ano, por exemplo, pensei num porta-pílulas de bolso para um amigo que usa
medicação diária, num suporte para teclar confortavelmente para uma amiga que só
usa computador na cama e, ironicamente, num binóculo para teatro destinado a um
amigo que sempre escolhe assentos de onde eu mal consigo enxergar onde está o
palco.
Mas
voltemos à pergunta anterior: será que o presente desvirtua o afeto? Por que
oferecer presentes e não sentimentos? Como disse, sou sensível a esse
argumento, mas também pergunto: será que essa história de afeto não é uma
desculpa para sermos avaros, do dinheiro para comprar presentes e, sobretudo,
do tempo necessário para escolher e procurar o presente certo?
Na
polêmica contra os presentes, alguns lembram que a origem do hábito seriam os
reis magos, que homenagearam o menino Jesus no dia 6 de janeiro. Eu acho que a
ideia do presente está no Natal cristão mesmo. Afinal, Deus teria nos oferecido
o filho dele, sacrificando-o para nossa salvação. Quer presente maior?
Não
se alarme, não virei crente. Continuo achando a história bizarra, mesmo no
Natal. 1) Nunca entendi a gravidade do pecado original, que teria tornado
necessária a vinda do Messias; 2) nunca entendi por que, para redimir a gente,
era preciso que o filho de Deus passasse por tamanho sofrimento. A única
explicação que encontro é que foi de propósito, para que a gente se sentisse
culpado para sempre.
Justamente,
para não me sentir culpado, no Natal, dou e me ofereço presentes. Para mim,
comprei: "On Symbols and Society", de Kenneth Burke, que queria ler há
tempos, um telescópio (para usar em Nova York, que é uma cidade em que uma
infinidade de janelas sem cortinas parecem palcos permanentes do cotidiano). Também
me ofereci "Humans of New York", de Brandon Stanton (retratos de nova-iorquinos
comuns), pela mesma razão pela qual me ofereci o telescópio.
Para
mais um amigo, comprei "O Estranho Caso do Cachorro Morto" (Record),
de Mark Haddon, que é um livro que adoro e que se tornou uma peça de teatro em
Londres e agora em Nova York (onde estou agora também para ver a dita peça).
Bom,
vou a Amy's Bread, na Nona Avenida, para o melhor pão de Nova York. Feliz Natal
a todos, com ou sem presentes. Mas melhor com.
ccalligari@uol.com.br
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