sexta-feira, 12 de dezembro de 2014


REINALDO AZEVEDO

Comissão Nacional da Farsa

A palavra 'Anistia' tem a mesma raiz de 'amnésia'. É, para fins políticos, 'esque-cimento', não 'absolvição'

A revisão da Lei da Anistia é uma aberração jurídica. Uma comissão oficial da verdade é, por definição, uma comissão da mentira oficial. Serve a causas políticas, a grupos ideológicos de pressão e à consolidação de mistificações convenientes. Só não serve aos fatos.

Ainda que a Lei 6.683, a da Anistia, fosse "autoanistia", seu fundamento foi incorporado pela Emenda Constitucional nº 26, que convocou a Constituinte. Está lá, com todas as letras, no parágrafo 1º do artigo 4º: "É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos (...)". Na proposta original, a anistia excluía os crimes de sangue. Foram as esquerdas que cobraram que ela fosse "ampla, geral e irrestrita". Sei porque eu fazia parte dos grupos de pressão.

Há mais. A Comissão Nacional da Verdade foi instituída por uma lei, igualmente aprovada pelo Congresso, a 12.528. Lê-se no artigo 6º: "Observadas as disposições da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Comissão Nacional da Verdade poderá atuar (...)". Qualquer que fosse o trabalho da comissão, o pressuposto era a anistia.

Mais um pouco. O artigo 1º dessa lei estabelece que a comissão deve "examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos" praticadas de "18 de setembro de 1946 até a data da promulgação" da Constituição. Mas a turma se dedicou apenas aos crimes havidos a partir de 1964. A todos os crimes?

Não! Os humanistas decidiram que alguns cadáveres não merecem nem sepultura histórica. Os assassinatos cometidos por terroristas não ocuparam o tempo dos donos da verdade. Segundo eles, são 434 os mortos e desaparecidos. As 120 pessoas eliminadas pelo terrorismo viraram esqueletos descarnados também de memória. Como? Não são 120? Isso é papo de milico? Por que os valentes da comissão não investigaram?

Pais de família inocentes sumiram do mapa dos fatos. Contumazes assassinos, como Marighella e Lamarca, ocupam o panteão dos heróis. Esse relatório é um lixo moral. Mais uma vez, a turma mandou a lei à breca: o inciso 3º do artigo 3º determina que a comissão se ocupe de crimes cometidos também "na sociedade", não só nos aparelhos de Estado.

Como levar a sério uma "Comissão da Verdade" que não respeita nem o texto legal que a criou e que ignora que a Lei da Anistia, como condição da Constituinte, foi referendada por um Congresso eleito livremente? Como levar a sério uma "Comissão da Verdade" que elimina da história a verdade dos cadáveres que não interessam à causa?

De resto, há a decisão já tomada pelo Supremo, assegurando a higidez da Lei da Anistia. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, dado a alegorias de mão em matéria de constitucionalismo, o tribunal deve se debruçar de novo sobre a questão, depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos --certamente ignorando a aprovação da Emenda 26-- censurou a Lei 6.683 porque seria "autoanistia". Eu não sabia que a Corte Interamericana é tribunal revisor do STF. Que besteira!

"Anistia" tem a mesma raiz de "amnésia". É, para fins políticos e penais, "esquecimento", o que não é sinônimo de "perdão", "absolvição" ou apagamento da memória narrativa. Para tanto, é preciso ter honestidade intelectual para contar a história dos mortos de modo a não servir aos interesses de vivaldinos.

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