segunda-feira, 8 de dezembro de 2014


08 de dezembro de 2014 | N° 18007
L. F. VERISSIMO

Olés

O compositor e crítico de música Virgil Thomson (americano, 1896-1989) se divertia com o fato de que, na Espanha, as crianças brincavam de tourada sempre em três: um fazendo o papel do touro, outro o do toureiro e um terceiro gritando “Olé!”.

Os papéis podiam ser trocados, claro, mas as funções não mudavam: um touro, um toureiro e um espectador, que Thomson preferia ver como um representante do público – ou da crítica.

Para Thomson, nenhuma obra de arte era completa se não incluísse sua repercussão no público e sua avaliação pela crítica.

Uma apresentação musical, como a tourada dos meninos, também requeria um trio – o compositor, o intérprete e a reação do ouvinte – sem o qual, nas palavras do Thomson, não passaria de um ensaio.

Isso não significava que a obra deveria ser sempre acessível a um gosto comum e buscar a popularidade. Composições “difíceis” também dependiam, para existir, da sua aceitação, no caso de um público mais sofisticado. Também se completariam com um “olé”.

Thomson foi o autor de óperas de vanguarda como a que fez em parceria com a Gertrude Stein em 1934 (quando lhe perguntaram como tinha sido a convivência com Stein, respondeu: “Como a de dois homens de Harvard”) e outras coisas “difíceis”.

Ouviu muitos olés na sua vida, mas também muitos “buus”. É o risco que correm os artistas e os toureiros, se bem que não há notícia de nenhum artista corneado por alguém da plateia durante uma performance.

Como os toureiros, compositores e escritores também sonham, em segredo, com a glória, com “olés” consagradores. Também se imaginam recebendo as orelhas e o rabo do touro, dando voltas triunfais na arena e atirando flores para a Ava Gardner, ou um sucedâneo razoável, na plateia.

Mas, infelizmente, não temos “olés” assegurados, obrigatórios, como nas touradas de brincadeira. Nosso consolo, quando os “olés” não vêm, é pensar: “Não me entenderam”.

A verdade é que o comportamento do público diante da arte mudou muito desde o tempo em que um balé do Stravinsky terminava em motim, com o público atirando as poltronas no palco, ou, antes, o Liszt era carregado pelas ruas nos ombros de admiradores depois de um recital.

O modernismo meio que anestesiou a turma, ninguém se escandaliza ou se entusiasma muito depois que o Schoenberg inventou a música atonal e o Picasso botou os dois olhos da moça no mesmo lado da cara. O resultado é que não se ouvem mais “buuus” indignados ou “olés” sinceros.


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