01
de outubro de 2014 | N° 17939
MARTHA
MEDEIROS
Risos e comoção
De
uns anos pra cá, me envolvi mais com teatro. Alguns livros meus foram adaptados
e isso me trouxe novos amigos e uma convivência de bastidor. Foi quando comecei
a observar a insistência que muitos têm em classificar as peças como comédia, não
importando o teor do texto ou o espírito da montagem.
Seja
qual for o enredo, a tendência é avisar que o riso estará garantido em alguns
momentos. Uma vez, ao dar uma entrevista para divulgar um espetáculo, a atriz
ao meu lado suou frio quando revelei que o texto era todo composto de poemas. Pô,
eu estava jogando contra ou a favor?
Era
de fato um espetáculo de poemas – muito bom, aliás, e também divertido – mas
quem confiaria nisso?
Essa
obsessão pelo riso é triste. Os profissionais de teatro acabam se rendendo ao
comportamento viciado da plateia, que tem a ideia errada de que se divertir é sinônimo
de gargalhar.
As
pessoas não entendem que se emocionar, ser provocado, ser impactado, tudo isso
também entra no pacote do entretenimento. Quando alguém vai ao teatro, deveria
almejar voltar para casa não apenas com a lembrança de uma boa piada, e sim
gratificado por ter tido sua inteligência homenageada e por ter sido tocado
pela magia da arte.
Entreter
é distrair – não obrigatoriamente divertir. Uma boa peça nos distrai do
cotidiano repetitivo, nos distrai de nossas ideias acomodadas, nos eleva a uma
dimensão mais rica, nos faz mergulhar num mundo de beleza e perplexidade. Estupor
também distrai. Enlevo também distrai. E o riso, claro, também dispara nossa
reflexão. Não precisa ser usado apenas como recurso para que a audiência sinta
que não desperdiçou seu dinheiro.
Ao
ler sobre A Toca do Coelho, excelente peça que esteve em cartaz em Porto
Alegre, me surpreendi com as entrevistas dadas antes da estreia: garantia-se
que o público iria rir, mesmo a peça tratando sobre um casal que perde um filho
de quatro anos – é provável que temessem que ninguém sairia de casa para
assistir a um drama.
Entendo
que elenco e produção, que vivem do teatro e precisam gerar bilheteria, tentem
atrair espectadores fazendo o jogo do contente, mas é mau sinal. Deveríamos ter
um público adulto capaz de se sentir recompensado pela troca de experiências
sensoriais que o teatro oferece, sejam elas quais forem. Essa falta de confiança
na nossa maturidade me constrange.
Assisti
a A Toca do Coelho. Meia dúzia de gracinhas foram inseridas no texto para
aliviar o conflito em cena, que é denso, mas nada convidava a sonoras
gargalhadas. Porém, claro que elas estavam lá, as sonoras gargalhadas da
plateia, pois se a criatura não ri, como vai dizer que gostou?
Aquilo
que não nos faz rir também merece caloroso aplauso. Aceitemos nossa capacidade
de gostar daquilo que intimamente nos comove sem que precisemos fazer barulho.
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