14
de outubro de 2014 | N° 17952
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Como você fala
Mulher
é uma ouvinte fatal.
Ela
mantém uma biblioteca de sons, um arquivo de escalas musicais em seus ouvidos.
Nasceu
com um detector de mentiras nos tímpanos.
Você
pode dizer as palavras certas, mas ainda será pouco.
Você
pode escolher os termos mais apropriados, a ordem mais harmoniosa, as frases
mais cristalinas, e ainda será pouco.
Você
pode decorar o discurso, mas ainda será pouco.
Não
significa que terá o respeito dela. Não assegura a compreensão dela.
Ela
é capaz de implicar com você.
O
homem não entende que não basta falar para a mulher o que ela quer, tem que
falar do jeito que ela quer.
Quantas
vezes você, para superar a insensibilidade e o laconismo do macho, finalmente
expressou o que ela ansiava ouvir e ela não ficou satisfeita?
Esperava
a libertação, o elogio, a recompensa e aguentará uma nova e inesperada crítica
da esposa:
–
Não foi o que você disse, mas como disse.
Você
suspira amém, e ela entende que está sendo cínico.
Você
concorda com os argumentos dela, e ela entende que somente deseja fugir da
briga.
Você
pede desculpa, e ela entende que é da boca para fora.
Você
concorda, e ela entende que está resmungando.
O
“como” feminino é mais importante do que o conteúdo da fala.
O
“como” é a própria fala.
Ela
valoriza o sentimento da pronúncia. A pronúncia é a porta do paraíso ou a do
inferno.
Você
poderá se declarar com “Eu te amo”, e ela insistir em problematizar.
–
Ai, que eu te amo sem entusiasmo, sem vontade, eu não quero ser amada assim.
Será
obrigado a fazer um teste vocal do “eu te amo” nesse momento. Um gargarejo do
“eu te amo” até convencê-la.
Quando
acertar o timbre ideal, a equalização apropriada, ela, então, num gesto de
absoluto desdém, vai encontrar motivo para revidar:
–
Agora não adianta, não foi espontâneo.
Está
enrascado. Sempre estará enrascado mesmo empregando os diálogos perfeitos.
Além
de compositor, o homem precisa ser intérprete, saber cantar, assumir o
microfone da confissão.
Não
basta acertar a letra, é necessário transmitir a emoção adequada pela voz.
Terá
que ser um Caetano Veloso da discussão de relacionamento, um Chico Buarque do
corredor de casa, um Ney Matogrosso da cozinha.
Vá treinando no chuveiro.
Ser
marido é uma carreira difícil e de público muito exigente e sensível.
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