31 de outubro de 2014 |
N° 17969
MOISÉS MENDES
Liberdades
Jornalista critica tudo, a grama
da Arena do Grêmio, o juro, as baixarias no Facebook, a inflação e os gays da
novela das oito. Jornalista comenta, com profundidade ou superficialidade,
qualquer coisa que esteja no outro lado da rua ou na Península da Crimeia.
Poucos seres no mundo sabem tudo,
quase sempre sem vacilações. Mas não tente questionar um jornalista.
Jornalistas são corporativos, atacam e se defendem em bando, como os leões.
Jornalista odeia a exposição pública de suas fraquezas.
Esta semana, defendi o ministro
Guido Mantega, com todos os riscos do atrevimento, e fui atacado por todos os
lados. É do jogo. Me mantive entrincheirado na essência do que escrevi e
assimilei golpes duros. Tentei ser leal.
Como critiquei os racistas do
Sul, que criminalizam eleitores pobres pelo resultado da eleição, fui apontado
por alguns como discriminador odioso dos coitados que odeiam nordestinos. Tive
que me defender da suspeita de que seria um traidor do Sul.
Dessa parte, me livrei bem,
porque poucos se identificaram como antinordestinos. Mas é duro ter de
argumentar que qualquer um tem o direito de exaltar, por conta e risco, os
feitos do ministro previamente degolado, no meio da eleição, porque não agrada
ao mercado.
E aí vem o que importa. Críticos
de Mantega também têm, por mais óbvia que seja a frase, o direito de apontar
seus defeitos e até de condená-lo pelo que não fez. Viva a liberdade de
expressão.
Mas seria bom que as minhas, as
suas, as nossas opiniões não fossem desqualificadas pela suspeita de que alguém
escora tudo que pensa em orientações partidárias ou ideológicas. Opiniões não
podem ser depreciadas pela alegação de que pretensas neutralidades foram
rompidas para a elaboração de uma reflexão.
Repórteres que colhem informações
procuram evitar que suas certezas se sobreponham às nuances da realidade
observada e das vozes captadas. Mas não existem observadores neutros. O que há,
como regra, é o esforço pela imparcialidade.
Quem opina, e eu tento opinar,
não tem o direito das falsas neutralidades. Jornalistas e profissionais de
qualquer área – do padeiro ao ministro do Supremo – não deveriam se constranger
de submeter suas posições sobre questões fundamentais da humanidade ao crivo
dos que com eles convivem, ou que dependem de seu trabalho.
Não há neutralidade possível
quando o debate, como ocorreu na eleição, nos confronta com o ódio dissimulado.
Como não há como ser neutro diante de racistas, homofóbicos e xenófobos.
Digo isso porque recebi com
naturalidade as críticas dos que discordam de Mantega, pelos mais variados
motivos.
Aprendi com as reações à crônica
sobre o ministro da Fazenda. Me mantenho atento às discordâncias.
Ocupei boa parte do meu tempo,
por dois dias, respondendo a e-mails. Me entusiasmei com a qualidade dos
argumentos (e o humor) de muitos dos que discordaram ou concordaram com as
virtudes e os defeitos de Mantega.
Mas digo, para encerrar minha
participação nessa história, que dispenso a compreensão de quem continua a
atacar nortistas e nordestinos como brasileiros de segunda classe. Desses,
espero apenas um honroso desprezo pelo que escrevo.
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