19
de outubro de 2014 | N° 17957
MARTHA
MEDEIROS
A fantasia de jogar tudo para o
alto
“Me chame de louca e me ganhe para sempre.” Tá, não é
bem assim, mas parecido. Quanto mais cresce e se estabiliza a campanha pelo
politicamente correto, mais as pessoas gostam de serem chamadas de loucas.
Mulheres, quase todas. Principalmente as que não são.
Mulheres
em geral são responsáveis, centradas, focadas, sabem bem o que querem e o que
não querem: uma maneira de dominar a loucura intrínseca que as tenta. Ainda por
cima, mulheres são mães, o que elimina de vez a chance de saírem da casinha (a
não ser que a criatura seja louca MESMO). Todas carregam dentro o gene da
insensatez, mas a maioria se controla, precisa amamentar de duas em duas horas,
não esquecer de buscar as crianças no colégio, providenciar arroz e feijão à
mesa todo dia, como despirocar?
Então
elas abafam o desatino (aquele mesmo desatino que quem não se responsabiliza
por ninguém extravasa) e ficam ali curtindo a fantasia da demência em silêncio,
imaginando: “E se?”.
E se
eu fizesse minha mala, dissesse bye-bye para a família e fosse passar um ano
meditando na Índia?
E se
eu fizesse minha mala, dissesse bye-bye para a família e fosse morar sozinha
num quarto-e-sala no centro da cidade?
E se
eu fizesse minha mala e aceitasse aquele emprego em São Paulo? E se eu fizesse
minha mala e fosse cursar teatro em Nova York? E se eu fizesse minha mala e
comprasse um sítio para ter a horta, o pomar e o jardim com que sempre sonhei?
E se eu fizesse minha mala e me alistasse num projeto voluntário para
finalmente dar um sentido a minha existência?
Tem
sempre uma mala a ser feita no mundo das mulheres pseudoloucas.
Ou
mais grave: um homem.
E se
eu casar com ele mesmo ciente de que ele tem três ex-mulheres e oito filhos? E
se eu fugir com esse desmiolado que só sabe tocar violão e mais nada? E se eu
me arrepender de largar esse esquizoide que me fez mais feliz do que todos os
homens sensatos que conheci?
Loucura
e amor são parentes consanguíneos.
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