13
de outubro de 2014 | N° 17951
J.
A. PINHEIRO MACHADO
A infância luminosa do
Alarico
No
espírito do Dia das Crianças, ontem transcorrido, eu comecei a escrever esta
crônica, escolhendo as letras e palavras com aquela minúcia que o seu Randon
usa para selecionar suas melhores maçãs. Foi quando Linda se aproximou com uma
bandeja onde cintilavam a taça fumegante de chá Earl Grey e uma generosa fatia
de sua irresistível torta de chocolate “90% cacau” recheada com geleia de
laranja. Ela arregalou os olhos diante da tela iluminada do computador e quase
deixou cair a bandeja:
– O
quequié isso?… Ficou maluco!? – disse, escandalizada, apontando para o título
da crônica, escrito na tela: “A infância perdida do Alarico”.
Como
boa advogada, começou uma empenhada sustentação oral, lembrando que poucas
crianças tiveram tanto carinho, tanta liberdade para brincar, tantas
oportunidades e possibilidades de crescimento intelectual, transformando a
participação na TV em divertimento etc., etc.
–
Que história é essa de “infância perdida”??? – perguntou, com três enfurecidos
pontos de interrogação, as mãos (já liberadas da bandeja) na cintura reforçando
a indignação.
Aguardei
que a tempestade serenasse, agradeci a bandeja, dei uma garfada na torta,
hummm, um gole de chá e articulei rapidamente minha defesa. Usei infância
“perdida”, no sentido de “acabada”, “encerrada”. Afinal, o Alarico, que também
é Miguel, poucas semanas atrás completou a avançada idade de 11 anos: em altura
já ultrapassou meu ombro, está de olho nas gurias, abre uma massa de macarrão
melhor do que eu, é leitor infatigável, e sua pronúncia de francês (segundo
Madame Roche) é melhor do que a minha.
Dia
desses, li um bilhete escrito por ele e tive certeza: enfim, um grande escritor
na família! Isto é: adeus infância. Lembrei do abalo que senti lendo Paulo
Mendes Campos quando entrei na adolescência: “…sou restos de um menino que
passou, rastros erradios de um caminho que não vai e nem volta, e que circunda
a escuridão como os braços de um moinho…”.
Mas
a perplexidade da Linda me fez decifrar o melhor da convivência com o Alarico:
é possível fazer da cozinha, assim como da vida também, um território luminoso,
um parque de diversões permanente. Compreendi que a infância do Alarico não
acabou. Nem a minha.
O.k.,
Linda. Vou mudar o título: “A infância luminosa do Alarico” acho que resume a
ópera.
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