26
de outubro de 2014 | N° 17964
FABRÍCIO CARPINEJAR
Confirma
Votar
não é somente eleger governador e presidente.
É a
possibilidade de rever o bairro da infância e reencontrar antigos amigos.
Como
a maior parte dos eleitores vota sempre no mesmo lugar, e costuma ser a zona do
primeiro voto, tem a opção de visitar a família e rever colegas que nem o
Facebook é capaz de localizar.
Muitos
não transferem o título eleitoral, apesar da constante mudança de endereço.
Apreciam preservar este domingo para exercer a nostalgia e a evocação dos laços.
A
eleição torna-se uma repescagem da nossa memória. Um retorno sentimental às
origens. Um passeio emocional para nosso ponto de partida.
Há
quem viaje para sua terra natal com esse pretexto para conviver com os primos e
tios. Há quem atravesse a cidade para caminhar nas ruas de suas malandragens
infantis. Há quem entre de novo no colégio onde estudou, com aquela sensação
estranha de invadir um santuário.
Rodoviárias
e aeroportos estarão abarrotados de filhos pródigos com seus travesseiros e sua
esperança por uma segunda chance.
Além
de escolher nossos governantes, a eleição é o momento em que refletimos sobre o
que nos tornamos e o que ainda queremos ser. Tem um contexto de reflexão e
remissão, de julgamento de si e perdão ao outro.
Votar
é virar a página de nossa biografia, retomar leituras interrompidas, soprar o
pó das lombadas, tirar o marcador dos parágrafos incompreendidos.
Enquanto
pensamos em quem receberá o peso verde de nossos dedos, decidimos o que podemos
fazer com os nossos ressentimentos e brigas.
É
definir – junto do país e do Estado – o destino de nossa paz individual.
Talvez
seja a hora de aceitar a desculpa da mãe e matar a saudade do chimarrão na
varanda de sua casa. Talvez seja a hora de prolongar o mandato por mais quatro
anos de um amigo que a gente deixou de ver. Talvez seja a hora de levar o filho
para conhecer onde passamos a adolescência.
Votar
é reunir nossas forças para enfrentar o passado e as rusgas de antigamente. É
aperfeiçoar os planos de governo de nossa vida, reorganizar nossas alianças,
rever o que não deu certo na gestão passada de nossos hábitos.
É
renovar os votos de casamento, de parceria, de paternidade e maternidade.
Eu
já desfiz desentendimentos com irmãos no dia da votação. Por acaso. Não marquei
nada – o próprio destino agenda reconciliações.
Quando
fui votar, aproveitando que a urna familiar continua sendo na Escola Tubino
Sampaio, no bairro Petrópolis, um abraço inesperado, uma risada espontânea e
uma lembrança tocante já foram suficientes para desarmar o ódio e reiniciar a
cumplicidade.
O
amor precisa de tão pouco para retornar a ser o que era. Nada supera o olho no
olho, o rosto diante do rosto, a singeleza do corpo atento e carente pedindo
proximidade.
Votar
é também voltar. Voltar para o lugar inicial de nossa felicidade e se abastecer
de afeto até a próxima eleição.
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