15
de outubro de 2014 | N° 17953
EDUCAÇÃO
DIA DO PROFESSOR
Três gerações em sala de aula
TRADIÇÃO
DA FAMÍLIA Moriguchi começou com o avô, Yukio, prosseguiu com a filha Cristina
e, agora, chega à neta Adriana. Em comum, dividem a paixão por ensinar e cobram
maior valorização salarial para a profissão
Professor
há quase meio século, Yukio Moriguchi desperta às 4h30min para ler e estudar. Sai
de casa, no bairro Três Figueiras, por volta das 7h, e caminha uma hora, a
passo curtinho, sob céu limpo ou intempérie, até a Faculdade de Medicina da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Comparece à instituição,
de terno e gravata, mesmo nos dias em que não dá aulas. Aos 88 anos, há dois
longe do consultório de geriatria, não planeja abandonar a docência.
– Continuo
até quando Deus permitir – projeta o japonês nascido em Tóquio.
A
trajetória do patriarca já inspira outras gerações dos Moriguchi. A filha
Cristina, 53 anos, leciona no curso de Farmácia na mesma universidade. Graduada
em Biologia, a neta Adriana, 25 anos, filha de Cristina (e de pai também
professor), dedica-se ao mestrado na Universidade de São Paulo (USP) em preparação
para a futura carreira no Ensino Superior. A família se concentra no setor
universitário privado, o que melhor trata o magistério nacional: são
profissionais bem remunerados, utilizando laboratórios equipados, incentivados
a se aprimorar e a investir em pesquisa. Moriguchi, que se lançou ao ofício
ainda na Ásia, continua a se surpreender com as diferenças espantosas entre os
dois países.
– No
Japão, o salário de professor é o mesmo em todos os níveis. A valorização
social é maior. No Brasil, a educação é pouco valorizada, o professor é pouco
valorizado, e a sociedade não se desenvolve – avalia o médico, falante de oito
idiomas que vacila no português, língua que conheceu tardiamente.
NA
REDE PÚBLICA, PROFISSIONAIS ESGOTADOS PELA ROTINA INTENSA
Moriguchi
não aceita atrasos nem conversa entre os alunos da pós-graduação enquanto
explana a matéria preparada com atenção às minúcias. Espanta- se com certas
liberalidades nas boas maneiras, como as pessoas que tossem sem cobrir a boca
com um lenço. Aluna do pai durante o doutorado em Gerontologia Biomédica,
Cristina se surpreendeu com o rigor e pediu que ele fosse mais compreensivo com
os retardatários – no Brasil, afinal, há tolerância com o descumprimento de horários,
falha vista como um traço inerente aos nativos.
– Minha
cultura é muito séria. Para melhorar o Brasil, tem de ser muito sério – sentencia
o geriatra, consultor do Vaticano para assuntos relacionados à medicina durante
o papado de Paulo VI.
A
despeito da severidade com os impontuais, Cristina se emocionou ao perceber
como o mestre forasteiro era admirado pelos estudantes.
– Todos
gostavam dele, apesar do português meio capenga – diverte-se a filha.
Em
formação, a neta de Moriguchi circulou por outros ambientes, construindo parte
da incipiente carreira na rede pública de ensino. Durante a licenciatura,
Adriana passou por estágios em duas escolas estaduais da Capital. Observou
colegas esgotados pela rotina de intensa carga horária e baixos salários, quase
sem tempo para a preparação dos conteúdos de classe.
– Só
quando está na pele desses professores você entende. Senti mais orgulho ainda
da profissão – comenta a mestranda.
Com
planos de complementar o percurso acadêmico com um doutorado, Adriana reconhece
a importância da influência do avô e dos pais em seus projetos profissionais:
– Noventa
por cento da minha vontade de ser professora é por causa deles. Vejo um status
que talvez a sociedade não veja.
larissa.roso@zerohora.com.br
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