10 de outubro de 2014 |
N° 17948
MOISÉS MENDES
Netos
Éde se imaginar que o ensaísta e
filósofo Sérgio Paulo Rouanet, o homem que virou nome de lei, tenha tempo
apenas para organizar a correspondência de Machado de Assis. Rouanet coordena a
edição do quarto volume com as cartas de Machado.
Enquanto organiza o livro, ele
também escreve, nas horas vagas, sobre Freud e sobre Foucault (aquele mesmo
citado por Edison Estivalete, candidato a governador pelo PRTB, num debate na
TV). Mas você pode achar que Rouanet não tem tempo para largar a vida de
Machado e levar o neto pequeno à escola.
Pois Rouanet leva e traz o neto
do colégio. Um dia, telefonei para a casa dele em São Paulo, para uma entrevista,
e fui atendido pela socióloga Barbara Freitag Rouanet. Ela me disse que eu
poderia ligar dali a duas horas. Naquele momento, o marido se preparava para
buscar o neto no colégio.
Perguntei se não teria um minuto,
no meio dos preparativos, para falar com ele. Não tinha. Percebi que ninguém
consegue detê-lo quando se investe do papel de motorista do neto. Um dos
maiores pensadores brasileiros ausenta-se do mundo das ideias complexas para
pegar o menino na escola.
Imaginei Rouanet deixando as
cartas de Machado sobre a mesa para pegar o guri em casa, levar ao colégio e
depois buscar e devolver em casa. Também imaginei avô e neto nos trajetos, o
garoto na cadeirinha, no banco de trás, puxando trela sobre a porquinha Peppa.
Imagino Rouanet vendo os filmes da
Peppa com o neto. O avô da Peppa e do George é meio faísca lenta. Só que o neto
de Rouanet pode se exibir na escola de que tem um dos avôs mais cabeça do
Brasil. Ou o guri é parecido com a Lucinda, a neta do Luis Fernando e da Lúcia
Verissimo, que todo o tempo (segundo o próprio LFV) enquadra o avô distraído?
Também me comoveu a fotografia do
candidato a presidente do PV, Eduardo Jorge, indo votar domingo com o neto Tito
na garupa da bicicleta.
Tito deve ser orgulhoso do avô.
Jorge foi valente nos debates com gente que sente medo de gays ou de pobres, ou
dos dois juntos.
Falo dos netos dos outros, que
estão perto deles, porque os meus estão longe. Joaquim e Murilo moram em Santa
Catarina. Joaquim, de quase quatro anos, me informa, a cada encontro pelo
skype, que o verde é sua cor preferida. Mas não qualquer verde, o verde-escuro.
E fala da Peppa.
Com Murilo, de dois anos, eu me
entendo na mímica. Tenho com os dois um compromisso, a ser ratificado com a
ONU, o de plantar cem pitangueiras até 2017.
Os avós do século 21 são muito
proativos e podem se tornar intrometidos demais. Mas duvido que isso seja ruim
para os netos.
Não imagino que Rouanet chegue a
puxar conversa com o neto sobre as cartas de Machado a amigos e parentes. Até
porque o neto nem deve saber o que possa vir a ser uma carta.
A vantagem é que Rouanet pode explicar
o que era uma carta, e o neto pode dizer como funciona o iPhone 6.
Esta crônica tem dedicatória. É
dedicada a dona Lygia Maria Schein Chemale, minha leitora e minha avó
emprestada.
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