07
de outubro de 2014 | N° 17945
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Ainda confundo amor com
apego
Os
amigos são minha família para meus familiares.
É
meu temperamento de gringo, herdado dos pais.
Penso
que o pior pode acontecer. Penso em sequestro, assalto, violência, quadrilhas,
máfia.
Os
pesadelos mais terríveis nascem da imaginação, não dos sonhos.
Não
me perdoaria só de supor que um ente amado de casa pode ser machucado e não agi
para defendê-lo com antecedência.
Para
um italiano da colônia, a covardia está no pensamento, não acontece na reação
aos fatos: é simplesmente não se antecipar.
Sou
chato para a esposa e filhos. Mas não tem jeito. Quando um deles viaja, sempre
digo que conheço alguém onde eles estão indo e alcanço o endereço e o telefone
em caligrafia caprichada.
É
uma regra de meu paternalismo: cuidar excessivamente daqueles que amo, a ponto
de sufocar.
Tenho
tendência de Google Maps.
Entendo
que estou sendo prevenido, eles entendem que estou sendo paranoico.
Se a
minha mulher parte para a Argentina, logo saco de minha caderneta de contatos
quem eu conheço de lá.
–
Olha, tenho esses amigos argentinos. Quando precisar de qualquer coisa, não
deixe de procurá-los.
Entrego
o papel com os endereços e um mapinha. Chego a avisar os hermanos de que ela
está indo e para ficarem a postos. Converto uma situação eventual (último caso)
em prioridade.
É
óbvio que ela jamais vai telefonar. Não há esperança. Não há sentido na
proposta.
Ela
não pediu nada, sabe se virar sozinha, tem seus próprios amigos e conexões. Mas
não canso de repetir o rito a cada viagem.
Ela
decidiu aceitar para gerar menos trabalho. Dobra o papel para nunca mais
encontrar em sua bolsa. Eu, louco de pedra, tento ver em que zíper colocou o
recado para lembrá-la mais adiante. Vá que me diga que perdeu a folhinha...
Minha
filha vai para o Chile, faço um rastreamento dos conterrâneos no país de Neruda
e já providencio uma lista de retaguarda.
Ela
se ofende com razão, transmito a impressão de que não confio nela, concedo
tratamento de menor de idade, instauro um clima de suspeita que não fortalece o
relacionamento.
Eu
atropelo a confiança com o controle que vem do meu medo. Eu retiro a
independência de qualquer um com meu protecionismo. Porque confundo ainda amor
com apego. Apego é não sair de perto, amor é estar por perto.
Todo
gringo tem células espalhadas pelo mundo. Não
me dou conta, mas sou o pior que pode acontecer para minha família.
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