14
de outubro de 2014 | N° 17952
MOISÉS
MENDES
A falha do
Nobel
O
Nobel é uma das maiores invenções da humanidade. Um prêmio que legitima os
avanços em todas as áreas poderia ser apenas mais uma pilantragem, como outras
tantas, usadas para ratificar lances de esperteza ou de marketing. O prêmio é o
mais civilizador de todos os reconhecimentos públicos conferidos por governos
ou instituições.
É o
Nobel que nos diz no que devemos prestar atenção nas ciências e nas artes. No
autor que nunca lemos, nas descobertas aparentemente banais, como a tal lâmpada
de LED azul. Já entrei na Wikipédia e tentei entender como funciona uma lâmpada
de LED. Não tenho alcance para compreender essa mágica.
Mas
é fácil entender o que significa o Nobel de Economia para o francês Jean
Tirole. Pode parecer um tema chato, mas é da nossa vida. Tirole estuda cartéis,
na sua forma absoluta e inquestionável. É dele a comprovação de que, a partir
de determinado momento, em meio a dificuldades incontornáveis, o maior negócio
para um banco é quebrar.
Um
banco quebrado deixa de ser um problema dos seus acionistas, mas continua sendo
dos que acreditaram nele e a ele confiaram suas poupanças e investimentos, dos
que acreditaram nos que acreditaram no banco e dos que, mesmo não acreditando,
dependem da riqueza, dos projetos e dos sonhos que nele circulavam. Um banco
quebrado pode quebrar um país.
Um
banco falido, num mercado sem regulações, é sempre problema do Estado. O
mercado gosta de bancos sadios. Bancos falidos se transformam, ensina Tirole,
num grande negócio a ser bancado pelo setor público. Por isso o francês ganhou
o Nobel, por ajudar na compreensão de verdades às vezes encobertas pela
conversa de que o mercado cria e resolve todos os seus problemas.
Foi
também o caso do Nobel da Paz, que premiou dois defensores das crianças, a
adolescente paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi. Malala
levou um tiro na cabeça por defender o direito de estudar das crianças do seu
país. Satyarthi enfrenta os exploradores do trabalho infantil na Índia.
Nenhuma
organização mundial de exaltação de feitos alheios tem o poder do Nobel de
propagar as coisas boas do mundo. Não há, nas suas escolhas, nenhuma
controvérsia, apenas a reação dos talibãs que oprimem quem quer estudar, dos
que ganham dinheiro maltratando crianças ou dos que tentam nos fazer ver que um
banco quebrado pode ser colocado ao lado do drama de Malala como um problema de
todos nós. Não deveria ser. O Nobel nos adverte para o que interessa.
Por
muito tempo, compartilhamos em ZH o sonho de que o primeiro Nobel brasileiro
seria conquistado por alguém que víamos toda semana. Um sujeito capaz de puxar
conversa sobre o início da cultura da vacinação no Brasil _ sua obsessão de
sanitarista _, sobre os desatinos das guerras e sobre o esgotamento da
capacidade de criação do escritor Philip Roth.
Achei
que um dia eu poderia dizer: sou colega do cara que ganhou o Nobel e com ele
conversamos sobre banalidades. Achei que ele ganharia o prêmio depois da
polêmica da história de Max e os Felinos (copiada por Yann Martel, o canadense
que inspirou o filme As Aventuras de Pi). Pensei que uma hora a Academia Sueca
escolheria nosso maior fabulista.
Perdemos
Moacyr Scliar em 2011. Foi-se a nossa chance de ter um Nobel de Literatura. Se
eu fosse demasiado gaúcho e bairrista, afirmaria, para não dizer que não tenho
nada a reclamar, que essa é a única falha que identifico no Nobel.
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