22
de outubro de 2014 | N° 17960
LUIS AUGUSTO FISCHER
Até
wi-fi
Vamos
começar pelos descontos. Paris é uma cidade mundial, que há séculos sabe que é uma
cidade grande. Centro de antigo império, teve e tem grana para fazer coisa boa
e bonita.
Mais
um: minha família está vivendo num bairro de classe média confortável. Há gente
com menos grana, gente com mais grana, mas em geral é gente educada, com boa
escola e saúde.
Tudo
isso tem que descontar. Mas nada disso diminui o valor das pracinhas de Paris.
Aqui
no 15º distrito, onde estamos vivendo, tem umas quantas. Num raio de 6 ou 7
quadras, há quase dez, que fomos conhecendo aos poucos. Uma é um pequeno
parque, ajardinado, com uma fonte em que crianças se banham no calor, com uma
pequena concha acústica para apresentações singelas, mais gramados e árvores e
ambientes com brinquedos (e um carrosselzinho, ia esquecendo). Detalhe: toda a
topografia é plana, mas o inventor da praça criou um desnível no terreno para
dar dinâmica ao local, com plantas e tal.
Nas
outras, menores, igualmente há esses brinquedos, ou brinquedões, com percursos,
escadas, cordas, desafios. Tudo de material forte, com design inteligente. Em
volta deles, sempre há um piso emborrachado, que atenua o impacto de qualquer
queda.
Em
boa parte das praças, há também mesas fixas, de pedra, para pingue-pongue (a
rede é de metal). Em algumas, jardins e trilhas em que se pode correr. Em todas
elas, bancos e árvores. Nada ostentatório, tudo funcional. Os parisienses
parecem que pegam qualquer retalho de terreno, mesmo sem acesso à calçada, e
transformam em ambiente para a criançada.
Equipamentos
urbanos e o sentido de conviver
E em
quase todas tem wi-fi. Funcionando, e de graça, por cortesia da prefeitura. Basta
o vivente se inscrever na hora, dando nome e email, e voilá.
Em
Porto Alegre, por contraste, creio que só em clubes privados haverá algo
parecido, em todos os sentidos. Por quê?
Sim,
em parte porque temos menos história e menos dinheiro. Nunca controlamos um império
para sugar dinheiro e energia. Temos muito mais pobres do que eles. Mas damos
muito menos força à invenção do que eles – agora mesmo, quantos empreendedores
talentosos não teriam sugestões bacanas para equipar pracinhas e lugares públicos,
mas não são ouvidos, dada a burocracia?
Mas
nos falta outra coisa: um sentido mais difundido, idealmente consensual, de que
conviver é algo a ser preservado. Conviver: respeitar o que é comum, o que é de
todos, para que cada um possa usufruir. Respeitar sem roubar, seja o dinheiro
dos impostos, seja o banco da praça.
*
Professor de Literatura Brasileira na UFRGS, escritor, colaborador do jornal
Zero Hora, atualmente mora em Paris para estudos. O seu livro mais famoso é o
Dicionário de Porto-Alegrês, pela L&PM.
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