15
de outubro de 2014 | N° 17953
PEDRO
GONZAGA
A VOCAÇÃO
Procurei
pelo apito. O erro tinha sido meu. A professora Gricelda me deixara com as
crianças todas em ordem. Tendo àquela época recém começado no magistério, já tarde
na vida, e trabalhado somente com adolescentes e adultos, eu não sabia que os
pequenos não entediam perguntas retóricas.
Falando
de um poema sobre um marinheiro, achei que cabia recorrer às experiências dos
alunos para explicá-lo. Assim me dirigi ingênuo à classe: “E aí, gurizada, quem
nunca viu aquele marzão e pensou o que tinha do outro lado?”. Todos começaram a
pular nas classes e queriam me contar o que tinham feito nas férias, no último
verão. Logo a algazarra virou gritaria.
E
nada do apito. Aquele apito que também resultara inútil para o Schwarzenegger
no filme. Um minuto de caos até que, de súbito, toda a meninada voltasse em silêncio
aos seus lugares. Bastara a Gricelda aparecer na porta. Ali estava um poder
incrível. Nunca o compreendi, nunca o dominei.
Era
uma severidade terna, que eu voltaria a ver em outros colegas ao longo dos anos,
no clássico Ramiro de Física, por exemplo. Quanto tempo levei para esta
primeira descoberta: o rigor era só um dos métodos, uma das maneiras de se
chegar ao que importa na profissão: o afeto pelas pessoas e pelo conhecimento
que os verdadeiros mestres sempre revelam ao entrar em sala de aula.
Tantos
mestres. Moreno, Voltaire, Dacanal, Enio, Nayr, meu tio, minha mãe, meu pai. Meus
jovens colegas, tão mais talentosos do que eu: Eduardo Wolf, Felipe Pimentel,
Michael de Souza Cruz. Por muito tempo pensei não ter nem a vocação, nem a
capacidade deles.
Diante
do quadro, sentia-me um farsante. Sempre duvidando, quantas vezes inseguro. Um
dia, no entanto, já no cursinho, recebi um bilhete que dizia, “Graças as tuas
aulas, resolvi ser professor”. E depois tantos mais, elogiosos e críticos,
fundamentais para que eu abraçasse o que sou.
Mas
as dúvidas. Então a segunda descoberta: eles também duvidavam. Só o faziam com
segurança.
Essa
segurança titubeante a que chamamos ensinar.
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