quinta-feira, 31 de março de 2011



31 de março de 2011 | N° 16656
EDITORIAIS


A delinquência de colarinho

O governo do Estado tem o compromisso de corresponder às expectativas criadas com as providências que prometem atacar a delinquência instalada dentro dos próprios organismos estatais. A anunciada devassa no Daer é uma resposta rápida do Executivo às denúncias de que servidores agiam em conluio com empresas para saquear os cofres públicos, mas só terá sentido se não frustrar os que levaram a sério o que promete fazer.

São fortes os indícios de que uma quadrilha agia dentro e fora do governo para fraudar, não só as licitações dos controladores de velocidade, mas obras e serviços da autarquia. A investigação deve ser rigorosa, para que se saiba como as gangues de colarinho branco agiam há tanto tempo impunemente. Que se identifiquem todos os envolvidos e, a partir das apurações, corrompidos e corruptores tenham punição exemplar.

O caso do Daer se soma, lamentavelmente, a outros episódios em que funcionários do próprio governo se articulavam com especialistas em assaltar recursos que deveriam ser bem vigiados. Este é um dos aspectos deploráveis desses casos.

A fragilidade nos controles dos atos de servidores, dos gastos e das auditagens permite que os delitos se repitam, como se nenhum fato anterior tivesse pelo menos servido de exemplo para que se adotassem medidas corretivas. Percebe-se, assim, que o setor público é o ambiente propício para a ação de quadrilheiros, que apenas atualizam seus métodos para continuar agindo.

Como funcionários que deveriam ser os defensores do patrimônio público atuavam contra os interesses que deveriam preservar? Como esses grupos privatizam e manipulam informações de governo, sem que ninguém seja capaz de interromper suas atividades criminosas? A força-tarefa montada pelo Executivo tem o compromisso de oferecer respostas com agilidade.

É salutar que a auditoria conte com a participação de técnicos do Ministério Público e do Tribunal de Contas, para que se faça de fato uma devassa nos contratos, na relação promíscua de funcionários com fornecedores e na estrutura da autarquia.

A investigação deve se estender a outros organismos estatais, para que a reestruturação não alcance somente o Daer nem seja apenas administrativa. O setor público, abalado sistematicamente por falcatruas, necessita de uma profunda revisão de condutas.


31 de março de 2011 | N° 16656
LETICIA WIERZCHOWSKI


Dirigindo em Porto Alegre

Durante a semana do aniversário de Porto Alegre, Zero Hora publicou uma série de perfis de estrangeiros radicados na cidade. Todos se diziam muito felizes com a capital gaúcha. Um povo hospitaleiro, uma cidade gentil. Orgulhosos, lemos vários dias sobre a vida dessas pessoas que vieram de longe e abraçaram a nossa cidade como seu novo lar.

Num desses depoimentos, porém, um pequeno detalhe me chamou a atenção: uma jovem espanhola, que veio para Porto Alegre com o marido alemão, e aqui teve seus filhos gêmeos, comentou de passagem “que os porto-alegrenses mudam quando estão na direção”. Mudam mesmo, e mudam – de maneira assustadora – para muito pior.

Todos os dias, quando saio de casa, guiando meu carro ou a pé pelo bairro, fico impressionada com a atitude absolutamente bélica dos nossos motoristas.

Dentro do carro, protegidos por vidros escuros e amparados na própria e eterna pressa, gente cordata e civilizada passa a desrespeitar as mais básicas regras de trânsito. Faixa de segurança? Piada. Já vi muito pedestre quase perder o braço ao executar aquele gesto que a prefeitura tentou divulgar numa campanha há pouco tempo.

Na escola do meu filho, uma das mais conceituadas da cidade, os pais estacionam na própria faixa de segurança – impossibilitando a travessia de outros alunos da instituição – para que as suas crianças desçam do carro com mais conforto.

Na rua onde vivo, os próprios moradores trafegam no sentido proibido (a rua, pequena e sinuosa, tem sentido único), de modo a chegarem mais rápido às suas garagens.

Buzinaços, infrações de toda a ordem e violência verbal enfeitam o trânsito cotidiano da nossa querida Porto Alegre – nós, grandes consumidores de literatura segundo as pesquisas, um povo culto, organizado e politizado.

Nós, descendentes daqueles alemães, judeus, italianos, poloneses e portugueses que aqui, às margens deste estuário que gostamos de chamar carinhosamente de rio, fincaram pé e ergueram uma metrópole.

Somos orgulhosos, gentis e cooperativos. Mas, com a marcha do carro engatada, somos capazes de toda a sorte de grosserias e de abusos – e vamos seguindo pelos dias, ensinando aos nossos filhos uma maneira inequívoca de vilipendiar o espaço do qual tanto nos orgulhamos por aí afora.


31 de março de 2011 | N° 16656AlertaVoltar para a edição de hoje
PAULO SANT’ANA

O cão da salsicha

O cão que tenho atualmente é da raça lhasa apso, originária do Tibete.

O nome de meu cão de tamanho médio é Kunga.

Acontece que sempre me bati contra darem para os cães somente ração animal e água.

Eu sempre acreditei que os cães, a exemplo dos humanos, têm direito a comer alguma coisa diferente daquela ração animal que lhes damos todos os dias, o que deve ser maçante e aborrecido para os cachorros.

Como é aborrecido para os homens fazer sexo com a mesma mulher durante 20 anos. De vez em quando, presumo que o homem tenha direito a comer uma coisinha fora do cardápio, um petisco.

Os cães, no meu entender, têm direito a comer petiscos.

Se me fosse imposto comer só verduras e carne todos os dias, como me acontece durante exames médicos que estou realizando, se fosse eu obrigado a comer a mesma coisa todos os dias, eu me suicidaria.

Como é, então, que obrigamos nossos cães a comer só ração animal e beber água todos os dias?

Deve ser um saco.

Pois bem, meu cão Kunga, quando cheguei anteontem em casa com um pacote contendo peixe frito, deu um voo espetacular e abocanhou o pacote.

Sei que os gatos gostam de peixe, mas, com dieta obrigatória e diária de ração animal, até meu cão avançou no peixe que eu trazia nas mãos.

Mas o melhor me aconteceu esses dias, quando peguei meu cão e fui passear com ele num dos locais mais civilizados da cidade: o Jardim Europa, quase junto ao Iguatemi.

Singela cena, tantas vezes repetida na cidade: eu e meu cão passeando, muito por causa dele, mas muito também por minha causa, ambos precisamos caminhar.

Mas me bateu uma pequena fome no passeio e eu cedi a um apelo consumista: fui a um carrinho de cachorro-quente e comecei a comer um, enquanto caminhava.

Pois não é que meu cão, num surpreendente voo, abocanhou o cachorro-quente de minha mão, deixando-me somente o pão e o molho, e ficando com a salsicha?

Depois disso, não tive mais dúvida de que a ciência veterinária precisa rever o seu conceito, permitindo que os cães por vezes rompam sua dieta de ração e comam petiscos.

É dos direitos humanos.

Marília, aquela moça que estuda Publicidade na PUC, que se mostrou tão encantadora quando a conheci na Rua Padre Chagas e conversou comigo e com o Gastão Wallauer, deixou-me um remorso: perdi seu telefone e esqueci seu sobrenome.

Não gostaria que caísse no esquecimento a nossa relação, absolutamente não maliciosa, mas é que, Marília, teu sorriso foi uma das mais encantadoras paisagens que vi nesses últimos dias, tenebrosos para mim.

Manda depressa dizer alguma coisa de ti, Marília.

Há só uma coisa na Terra melhor e mais saborosa que a inteligência: é um chope à tardinha.


31 de março de 2011 | N° 16656
L. F. VERISSIMO


Aquela aurora

Em São Paulo, acabam de fundar um partido que se declara nem de esquerda, nem de direita nem de centro. Um partido de nada, a favor de tudo, ou exclusivamente a favor de si mesmo. Tudo bem. “Esquerda” e “direita” são termos obsoletos e “centro” hoje é sinônimo de PMDB, ou de uma névoa ideológica.

O novo partido paulista não vem preencher um vácuo, vem institucionalizar o vácuo. Seu nome evoca o passado, quando o Getúlio, para não dizerem que o Brasil não era uma democracia, inventou dois partidos opostos, o PTB e o PSD. Justiça seja feita: o novo partido surge representando nada, mas com saudade de um tempo em que as siglas, mesmo falsas, significavam alguma coisa.

Bom mesmo era o século 19, quando tudo isso começou. Como no texto do Paulo Mendes Campos que fala das primeiras horas do Gênese, com “o mundo ainda úmido da criação”, se poderia descrever com o mesmo encanto aquele outro início.

Quando a História, por assim dizer, entrou na história e tudo recebia seus nomes verdadeiros. Uma segunda Criação. Hegel ainda quente, Marx lançando suas ideias explosivas como granadas, o passado e o futuro sendo redefinidos com rigor científico e a modernidade tecnológica e a modernidade social (ou, simplificando, a máquina a vapor e a nova consciência proletária) prestes a se fundirem para transformar o mundo.

“Bliss it was in that dawn to be alive”, êxtase era estar vivo naquela aurora, escreveu o poeta Wordsworth sobre a Revolução Francesa. A esquerda poderia dizer o mesmo do século 19. Naquela aurora não havia dúvida sobre a inevitabilidade histórica do socialismo.

Mas êxtase também espera a direita numa volta idílica ao século 19. Foi o século de reação à Revolução, da restauração conservadora na Europa depois do terremoto republicano e do nascente capitalismo industrial sem remorso.

Os que hoje propõem a “flexibilização” dos direitos dos trabalhadores conquistados em anos de luta (como os que os ingleses defendiam nas ruas de Londres, há dias) babariam com o que veriam no velho século: homens, mulheres e crianças trabalhando 15 horas por dia, sem qualquer amparo, e sem qualquer encargo legal ou moral, fora os magros salários, para seus empregadores. A perfeição. Antes que a pregação socialista a estragasse.

Século 19, terra de sonhos. Tanto para a esquerda quanto para a direita, antes que tudo virasse um mingau só.

quarta-feira, 30 de março de 2011



30 de março de 2011 | N° 16655AlertaVoltar para a edição de hoje
MARTHA MEDEIROS

A arte de perguntar

Parece simples entrevistar alguém: basta fazer algumas perguntas e torcer para que o entrevistado não seja uma gaveta emperrada. Só que de simples não tem nada. Acabo de passar por uma experiência devastadora e inédita em minha vida: com um gravador na mão e o coração na outra, fui entrevistar a atriz Patricia Pillar, a pedido de uma revista, que achou que uma escritora faria algo diferente. Ah, essa mania de inventar moda.

Uma mulher que já passou por um câncer de mama, que é casada com um presidenciável, que já protagonizou um filme que concorreu ao Oscar, que fez inúmeras novelas de sucesso e dirigiu um documentário sobre a carreira de um ídolo esquecido como Waldick Soriano, essa mulher – belíssima em seus 47 anos – deve ter muito para contar, presume-se.

Teria, claro, se ela duelasse com um jornalista de fato, um profissional astuto. Não é o meu caso. Jornalistas sabem fazer as perguntas certas, e fazem muitas. Já eu nasci acreditando que fazer muitas perguntas é bisbilhotice.

Não há nada mais contraproducente do que um entrevistador discreto, com receio de invadir a privacidade do entrevistado. Eu sabia que não estava em frente a uma mulher fruta: se estivesse, bastaria ligar o gravador e a intimidade me seria ofertada em doses generosas.

Mas Patricia não se entrega fácil e eu não seduzo o suficiente. Estávamos condenadas a comer biscoitinhos e falar trivialidades, como duas amigas de colégio. Foi o que fizemos e nos tornamos. Que tarde adorável. Que tarde perdida.

Patricia teve um câncer há 10 anos. Superou. Hoje esbanja saúde. Será que alguém tem vontade de lembrar maus momentos? Toquei no assunto muito rapidamente e ela rapidamente falou qualquer coisa, e logo estávamos comentando o dia lindo lá fora. Patricia vive há muitos anos com o deputado federal Ciro Gomes e jamais vi o casal no castelo de Caras.

Se eu não pergunto nem sobre o casamento das minhas amigas, como é que vou xeretar a relação preservadíssima de alguém que conheço há cinco minutos? Patricia queria ter tido filhos, mas o destino a fez adiar os planos até um ponto sem volta. Vou eu perguntar como ela se sente tendo desistido da maternidade? Eu? Eu que não pergunto pra namorado onde ele esteve sexta-feira à noite que não me ligou?

Passei duas horas na casa da Patricia Pillar e ainda ganhei uma carona de volta até o hotel. Atravessamos as ruas do Rio de Janeiro rindo à toa. Já estamos trocando e-mails. Amor à primeira vista.

Ganhei uma amiga e a revista ganhou uma matéria meia-boca. Que Patricia tenha mais sorte na próxima vez, que mereça a visita de um jornalista arrojado, que tenha desenvoltura, cara de pau, audácia. Pensei em sugerir o Luis Fernando Verissimo.

Well, São Paulo continua com temperatura de vinte graus, nesta manhã e nublado. Um lindo dia para você.


30 de março de 2011 | N° 16655
DIANA CORSO


Avulsos

Há ocasiões em algo que os pacientes dizem interpela seu analista. Uma paciente contava uma história recorrente na vida de muitos: ela é solteira e falava de uma reunião familiar, na qual tentava sem sucesso encontrar lugar na conversa de seus pais e irmãos, cunhados e sobrinhos, todos legitimados pela condição de casal e entrosados na empreitada da reprodução.

Embora não tenha constituído família, já havia comparecido acompanhada a esses eventos e sentia-se melhor, pelo menos não parecia ser uma extraterrestre. De repente ela repetiu uma frase minha, pinçada de uma entrevista, da qual eu não lembrava: “A sociedade trata muito mal os avulsos”. O que eu hipoteticamente já sabia, soou como se fosse a primeira vez.

A frase ressoava, desejosa de associações e de uma interpretação. Precisei entendê-la melhor para descobrir por que aqueles que não se apresentam pareados ou com seus descendentes pagam o preço da hostilidade ou da indiferença. Não só solteiros padecem, também viúvos e separados vivem essa sensação de que estão vivendo algo errado.

A interpretação que me ocorreu foi a seguinte: identifiquei-me com a queixa da minha paciente porque, quando criança, nos anos anteriores ao segundo casamento, minha mãe também era avulsa. Vivemos ambas, ela viúva e eu órfã, essa condição de deslocadas. Fazia-me inveja a aparência superior das famílias completas, nós éramos tortas.

A família ainda guarda algum prestígio em nossos tempos incrédulos e sem esperança, impõe sua estrutura nuclear – casal com filhos – enquanto cânone, lugar certo para a transmissão de valores e construção da personalidade. Só isso já seria fonte provável de tal mal-estar, vivido pela paciente e na minha infância.

Mas há um detalhe a mais: ela é gay e quando comparecia com uma companheira às reuniões todos lhe eram gentis, por mais reacionários que fossem. Então não se trata só de tradição, família e propriedade.

O que mexe com os pareados é uma inveja do avulso, sua possibilidade de estar só, livre para dispor do seu tempo, para escolher caminhos sem consultar ninguém. A solidão pode ser dolorida, mas aos avulsos raramente faltam amigos com quem dividir prazeres e dores, além de amores, que podem até não durar, mas emocionam.

Fazer escolhas é perder as outras vidas possíveis e lembrar disso abala estruturas. Os avulsos representam liberdade perdida, vínculos desfeitos, morte, a labilidade do amor. Sua presença desperta desejos e fobias, por isso a sociedade os constrange. Toda diferença questiona.


30 de março de 2011 | N° 16655
PAULO SANT’ANA


Mansas e bravas

Entre os que casaram duas vezes com a mesma mulher está um amigo meu, mas há outro que fez algo parecido.

Ele realizou a sua lua de mel numa viagem a Recife, hospedou-se com sua noiva no Hotel Jangadeiros e foi feliz por lá durante 10 dias.

Pois esse homem também é meu amigo e veio me dizer ontem que completou agora no mês passado 30 anos de casado.

E, para comemorar a data, ele levou sua mulher à mesma cidade de Recife, hospedou-se no mesmo Hotel Jangadeiros, da Praia da Boa Viagem, conseguiu com o gerente do hotel o mesmo quarto em que se hospedara 30 anos antes com sua mulher e ali há três décadas celebraram tórrida lua de mel.

Quando ele me contou esse fato, eu caí duro para trás. Porque está certo que um homem viaje para a mesma cidade onde realizou sua lua de mel há 30 anos.

É compreensível também que se hospede no mesmo hotel e no mesmo quarto em que se hospedou 30 anos atrás, quando de sua lua de mel.

Tudo isso é aceitável, a mesma praia, o mesmo hotel, o mesmo quarto de 30 anos atrás, a mesma cidade.

Tudo bem, só não aceito a mesma mulher.

A mesma mulher de 30 anos atrás foi dose.

Lendo sábado passado neste espaço a Milena Fischer como minha interina, cheguei à conclusão de que posso até ser gênio, mas não sou único nem insubstituível.

Cheguei à conclusão, certa vez, vendo da janela de um alto edifício em Punta del Este as duas praias, que se encontram na Península, a Praia Mansa e a Praia Brava, que os homens imitam essas duas praias.

Praia Mansa porque é do Rio da Prata, que é incrivelmente azul em Punta e possui águas calmas.

Praia Brava porque é do Oceano Atlântico, que faz ondas altas e revoltas.

Se não fossem geladas as águas das Praias Mansa e Brava, Punta del Este seria maior e mais populosa e mais engarrafada que Miami.

E graças a Deus que as águas são geladas em Punta, com isso não há engarrafamento.

Mas os homens imitam essas duas praias, hora são bravos, ora são mansos.

Há homens explosivos e há homens serenos. Há homens intempestivos e há homens cordatos.

Há homens agressivos e há homens ternos.

A natureza dos homens, pois, é igual à natureza das Praias Mansa e Brava.

O homem imita, portanto, a natureza.

E como são belas aquelas duas praias! Talvez tão belas quanto a minha preferida Jurerê, só que de água tépida.

Bebi um vinho estes dias com o casal formado pela talentosa e bela juíza de Direito Jane Vidal e o cantor nativista e advogado João de Almeida Neto, meus amigos.

E eu disse assim para a Jane, diante do João, copiando um verso de Mario Quintana: “Senhora, eu vos amo tanto que até por vosso próprio marido sinto um certo quebranto.”


30 de março de 2011 | N° 16655
DAVID COIMBRA


Os índios que matavam tubarão com as mãos

Os goitacazes foram talvez os índios mais ferozes do Brasil. Eram também mais altos, mais claros e mais fortes do que os outros índios brasileiros. Até as tribos inimigas os admiravam por nadarem como uns Phelps e correrem como uns Bolts. Para deslizar n’água com maior facilidade, raspavam o alto da cabeça, como já fez um dia o Cesar Cielo com bom resultado. Eram tão velozes sobre suas duas pernas que sobre elas caçavam veados, que, em geral, têm o dobro de pernas.

Li, acho que em algum dos livros do Peninha, que já li todos os livros do Peninha, aquele gaiato sibarita, pois tenho quase certeza de num deles ter lido que os goitacazes matavam tubarão à unha. Nadavam até a segunda arrebentação e, quando o tubarão os atacava pretendendo lhes arrancar um naco à dentada, eles atravessavam um pedaço de pau verticalmente em sua boca.

Assim, o bicho não conseguia mover o maxilar e se tornava inofensivo, já que tubarão não tem mão para socar nem pé para chutar. Isso feito, os intrépidos goitacazes cometiam algo que nem o Indiana Jones ajudado pelo MacGyver seria capaz de cometer: enfiavam o braço goela adentro do tubarão e lhe arrancavam as entranhas, matando-o eviscerado.

Os goitacazes usavam enormes arcos da altura de um Wianey Carlet, que não é muito grande para um comentarista, mas é para um arco. Com eles, disparavam flechas do tamanho de lanças que atravessavam as armaduras e os peitos dos portugueses. Quando os homens brancos achavam que haviam encurralado um guerreiro goitacaz, ele se atirava numa das lagoas ou pântanos das imediações, saía ondulando feito um muçum e aí ninguém mais o alcançava.

Como no braço estava sendo difícil batê-los, os portugueses usaram a cabeça. Espalharam roupas contaminadas com varíola pelos caminhos trilhados pelos goitacazes. Os índios colhiam-nas do chão e as vestiam, achando-se muito elegantes. Voltavam para a tribo exibidos com o traje novo, sem imaginar que estavam servindo de armas numa guerra química da qual eles mesmos seriam as vítimas. Em pouco tempo, foram todos dizimados. Eram mais de 12 mil, não sobrou nenhum para brigar com os tubarões do século 21.

Hoje, Goytacaz é tão-somente um time ruim da cidade de Campos, no Rio de Janeiro. O Goytacaz do futebol nunca disputou uma Libertadores, nunca ganhou um campeonato carioca. E é um goitacaz.

Conclusão: não é de bom augúrio a faixa verde que os designers atravessaram no peito da camisa da Seleção. Alegaram tratar-se de uma referência aos índios brasileiros, que faziam uma pintura semelhante de orelha a orelha, ao sair para a guerra. Ora, os índios brasileiros foram derrotados em TODAS as guerras.

Nunca houve, na história dos índios brasileiros, uma batalha como a de Little Bighorn, em que a Sétima Cavalaria do general Custer foi massacrada pelos Sioux e Cheyennes de Touro Sentado. Até porque nunca houve uma guerra formal do governo contra os índios, exceto casos raros, como o das Missões, e ainda assim os alvos eram mais os jesuítas do que os guaranis. Ninguém no governo brasileiro declarou, como o general americano Sheridan:

– Índio bom é índio morto.

Para o Goytacaz, pobre Goytacaz, não lhe valeu o nome daquela gente bravia que matava portugueses a flechaço e tubarão com as mãos nuas. Imagine, então, escorar-se nos outros índios brasileiros, menos belicosos e mais amistosos. Não...

No quesito guerra, os índios brasileiros foram uns fracassados. O que, aliás, não é ruim. O índio brasileiro, pacífico, alegre, amante da música e das índias nuas, esse sabia viver. Antes ser um ticuna de calção Adidas e telefone celular do que um hunkpapa extinto.

Se a Seleção Brasileira precisar de um exemplo agressivo de sucesso, do mais faiscante exemplo de entidade vitoriosa, que humilha seus adversários e os amassa no mundo inteiro, não há outro melhor do que... a Seleção Brasileira. Não há nada que seja melhor de briga, no Brasil, do que a Seleção Brasileira.

terça-feira, 29 de março de 2011



29 de março de 2011 | N° 16654
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Por falar em chatos

Foi Guilherme de Figueiredo quem escreveu um livro divertido, irônico e sábio. Chama-se Tratado Geral dos Chatos.

É, pois, com algum receio de soar recorrente que deixo aqui uma modesta porém sincera contribuição ao tema.

Revi, há séculos, uma deusa que, milhares de anos antes, me havia enfermado de paixão. Como se, em verdade, desde nosso comum desencontro, tivessem transcorrido nada mais de cinco minutos, ela reinaugurou uma doce intimidade, na qual mergulhamos cúmplices e aprazidos, até que adentrasse, sem licença, na conversa, um conhecido ocasional.

Esse tipo adorava o som da própria voz e pontificou sobre política, finanças e reumatismo. Classifico esse sujeito, que matou na hora instantes de enlevo, na categoria dos Chatos Interrompentes.

Entrevistava um gênio da sociologia, numa de suas raras visitas a Porto Alegre. Arrancava dele recordações e confissões inéditas. Eis quando surge, inconvidado, um amigo desse luminar da ciência, que se elegeu o polo das atenções, com minúcias tolas e desimportantes. Será preciso dizer que o intrometido atalhou pela metade um diálogo que prometia converter-se no testemunho de toda uma vida? Esse cara pode ser incluído com honras no elenco dos Chatos Autocentrados.

Andava em Madri e, mal me acomodara no hotel, recebi uma mensagem: o professor Tamarindo me aguardava na portaria. Desci, curioso, e topei com um tipo que era a imagem da prontidão. Oferecia-se para guiar-me por museus, igrejas, palácios da belíssima capital. Recusei polidamente, mas o professor Tamarindo converteu-se em minha sombra.

Para mal dos pecados, era cordial, prestativo e enciclopédico. Mas quando engrenou numa canhestra interpretação de As Meninas, de Velázquez, enchi as medidas. Despachei-o com um punhado de dólares e lá se foi ele, feliz, extorquir novos incautos. Era o modelo pronto e acabado do Chato Mordedor.

Não foram, claro, os únicos representantes da amoladora espécie que encontrei em Pindorama ou sob céus distantes. Mas hoje penso que teria me livrado de todos eles se pusesse por uns instantes a boa educação de lado.

Pois para se livrar de chatos, me convenci, é necessário um truque: ser mais chato do que eles.

Linda terça-feira para você. Aproveite o dia


29 de março de 2011 | N° 16654
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Escritor gaúcho morreu

Capa da Folha de S. Paulo na segunda-feira, 28 de fevereiro último: “Escritor gaúcho Moacyr Scliar morreu”. Capa do site G1, da Globo, sediada no Rio de Janeiro, no dia 27 de fevereiro: “Morre o escritor gaúcho Moacyr Scliar”. Que Scliar tenha merecido destaque, nada mais correto, por sua obra e sua presença no cenário literário brasileiro e mesmo ocidental.

Acresce que foi colunista semanal do jornal paulista por muitos anos, com uma pequena ficção construída a partir de nota verdadeira de algum meio de comunicação. Escrevia resenhas para outros veículos paulistas e cariocas. Então, o que me pergunto é por que o “gaúcho”. Precisava? Ele, um nítido cosmopolita, traduzido para vários idiomas, membro da Academia Brasileira de Letras, cultor literário da tradição judaica, por si só internacional?

A hipótese positiva dirá que o adjetivo pátrio com que o identificaram é uma homenagem e um reconhecimento ao fato de ele nunca ter escondido que era de fato gaúcho, e, pelo contrário, de ter aproveitado muita matéria-prima sulina (Porto Alegre, o bairro Bom Fim, a figura de Getúlio, a Revolução de 30, itens encontráveis em vários momentos de sua obra) para compor sua ficção.

Poderá ter sido um crédito com conteúdo positivo, na medida em que seja positivo chamar alguém de gaúcho – em alguns círculos, ser oriundo deste Estado aqui remete a valores positivos, o frio, a cultura, Gisele Bündchen, Ronaldinho Gaúcho.

Acresce que Scliar não apenas era daqui como, seguindo o exemplo de Erico e Luis Fernando Verissimo, Lya Luft e Martha Medeiros neste particular, permaneceu aqui depois de fazer sucesso. São gerações distintas, claro, mas a manha centralista é a mesma: no Rio e em São Paulo há muita gente que simplesmente não concebe que o sujeito permaneça na província podendo viver na metrópole. (Eu mesmo, em escala naturalmente menor, já fui arguido: se eu podia estar na USP, por que permaneço na UFRGS, cá em Porto Alegre?)

Tem gente que acha que nós somos bairristas, o que de resto corresponde à verdade; mas tem o outro lado, este aí, que é o nos fazerem bairristas, nos empurrarem para o bairrismo. Então me diz: se morresse digamos a Lygia Fagundes Telles, eles na Folha escreveriam “Escritora paulista Lygia Fagundes Telles morreu”?

Se fosse João Ubaldo Ribeiro (ele e ela gozam de perfeita saúde no momento em que escrevo, é bom esclarecer): “Escritor baiano João Ubaldo Ribeiro morreu”, ou, pior ainda, “Escritor baiano residente no Rio de Janeiro João Ubaldo Ribeiro morreu”, seria isso?

Se não precisa para esses dois tal identificação, por que Scliar precisava? Por acaso ele não estaria suficientemente identificado como “escritor” ou “escritor brasileiro”?


29 de março de 2011 | N° 16654
PAULO SANT’ANA


Saúde e futebol

Quem teve a ideia, em alguma parte do mundo, quem teve a maravilhosa ideia de inventar o seguro-saúde?

Fico a me imaginar já morto ou terrivelmente inutilizado se não fosse segurado de plano de saúde privado.

Se eu fosse segurado do SUS, que por sinal presta relevantes serviços aos brasileiros, por certo já teria sucumbido às minhas doenças.

Por onde fui nos últimos anos, na procura célere de soluções para os meus problemas de saúde, pelas clínicas e hospitais onde andei, vali-me do cartão de convênio de saúde.

Se eu fosse segurado do SUS, há anos estaria enfrentando essas filas dramáticas das consultas, dos exames e das cirurgias do SUS.

Teria certamente soçobrado.

Talvez por isso mesmo é que batalhei incessantemente nesta coluna, durante longos anos, pela melhora dos serviços do SUS, pensando nos outros, comparados a mim.

Eu não me conformo que os outros, os segurados do SUS, não tenham o atendimento que eu tenho.

Sei que esse é o grande dilema e a grande preocupação também, e muito, dos médicos, das enfermeiras e de todo o pessoal empregado em Saúde, é sobre eles que se desaba o desatino desesperado das emergências e dos hospitais.

Quanta gente morre à espera do atendimento gratuito de saúde! Quanta gente! Milhares, milhões.

Isso não é digno de qualquer processo civilizatório. Porque saúde é sempre problema de urgência, de emergência.

Por isso é que durante anos chateei os meus leitores referindo-me às filas das consultas, dos exames e das cirurgias do SUS.

Por isso é que não me conformo também com a realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014.

Com menos da metade do dinheiro público, que sairá dos cofres dos governos para realizar a Copa do Mundo, estaria solucionado o problema de saúde de todos os brasileiros, que seríamos desta forma invejados pelo mundo na forma como trataríamos os nossos doentes.

Essa ideia de trazermos a Copa do Mundo para cá é uma das maiores insanidades que conheço, apenas para realizar dezenas de partidas de futebol, a maioria delas desinteressantes, em troca da saúde e da vida do nosso povo.

Insanidade!

Haverá o dia em que os governos tomem consciência de que com o que arrecadam poderão solucionar todos os mais graves problemas de que o Brasil é alvo.

Haverá de chegar esse dia.

E conclamo a todos que se unam para continuar batendo nessa tecla do desperdício do dinheiro público.

Esse ralo vai ter de acabar.

Para felicidade geral do povo brasileiro.


29 de março de 2011 | N° 16654AlertaVoltar para a edição de hoje
DIANA CORSO | DIANA CORSO (interina)

Amadores do sexo

Perdoem-me o trocadilho infame, mas em poucas áreas somos mais amadores do que no sexo. Por isso, as palavras de uma expert, impactam. Raquel Pacheco, retratada no filme Bruna Surfistinha, assistido por mais de 2 milhões de espectadores, foi uma garota de programa. Sua história, narrada originalmente no livro O Doce Veneno do Escorpião, serviu como elo entre os profissionais do sexo e a vasta legião de adultos, praticantes amadores.

Moça de classe média, filha adotiva, acabou rompendo com a família para abrigar-se na identidade de prostituta. Os instrumentos de sua educação revelaram-se na escrita, num blog, batizado com seu nome de guerra, onde contava em detalhes seu cotidiano, incluindo sua avaliação sobre o desempenho dos clientes. Como profissional, Bruna era apenas mais uma, foi ao escrever sobre o que todos desejam saber que Raquel encontrou a celebridade.

Frente ao sexo nos sentimos da mesma forma que em relação aos computadores: neles sempre há muito mais funções e possibilidades que não sabemos explorar. Mesmo aos mais ousados resta a ideia de estar subutilizando sua “máquina” e hoje não perdoamos a vida que não entregue todo o gozo que nos devia.

Não faltam sexólogos para instruir sobre os caminhos que o prazer poderia trilhar, e as palavras destes sempre encontram bom público, tanto maior quanto for a sinceridade dos autores. É justamente no item da sinceridade que Bruna derrota seus concorrentes teóricos, pois suas experiências são reais.

Gostamos de acreditar que as prostitutas não são de fato mercenárias, porque nos identificamos com elas. Afinal, todos julgam ser como elas: um de dia e outro de noite. O gozo fingido que elas praticam também não nos é estranho, se insinua nas ocasiões em que, no casal, um se consagra ao prazer do outro, numa cena que bajula seu desempenho ou dotes.

Além disso, detestamos pensar que a relação sexual possa ser apenas um trabalho, uma tarefa, e não a expressão máxima do que se é, a verdade última do amor e do valor de cada um. Prima-dona do nosso imaginário, a prostituta tem por clientela todos os que fantasiam com ela e através dela. Ela encarna a inflação de sentidos que em vão esperamos do sexo.

O texto de Raquel não tem excelência literária, mas estende uma ponte entre a mulher comum e a prostituta. Em suas palavras: “As mulheres têm de ser damas para a sociedade e putas na cama, sempre disse isso. Mas também sempre digo que temos que ser putas mulheres e mulheres putas.

Muitas mulheres perdem seus homens não porque não os satisfazem sexualmente, mas porque não são ‘putas mulheres’”. Se multidões se interessaram pela sua história e pelo seu texto, é graças ao prestígio que o gozo sexual tem entre nossos valores. Tentamos aprender com sua experiência, afinal, quem não gostaria de colocar no currículo que no sexo é fluente e diplomado?

segunda-feira, 28 de março de 2011


Manoel Antônio Vargas Filho*

28 de março de 2011 | N° 16653
ARTIGOS


O custo de não fazer

No dia 18 de fevereiro fez um ano que voltei a morar em Porto Alegre. Nos 25 anos anteriores, morei e formei família na acolhedora Itaqui, município mais distante da Capital, situado na Fronteira Oeste do nosso Estado, um pouco abaixo da linha imaginária que divide a metade norte rica da pobre metade sul. Resolvi deixar o campo antes que o campo me deixasse. Tive a escolha, muitos não a tem.

Em 1985, após me formar em agronomia, fui cultivar arroz nas terras que eram de meu pai. O município contava, então, com mais de 600 produtores de arroz que, através de seus funcionários, do comércio e dos prestadores de serviço, irrigavam a economia da região promovendo o desenvolvimento das cidades.

Hoje, são pouco mais de 100 produtores que, ano após ano, vêm incrementando a produtividade de suas lavouras e, apesar disso, vendo sua margem de lucro desaparecer. Aliás, o aumento de produtividade é, ao mesmo tempo, a única arma de que o produtor dispõe para sobreviver e a pá com que cava sua cova, pois maior produção significa menor preço.

Há anos que os orizicultores alertam para concorrência desleal com os países do Mercosul. Bloqueamos pontes, estradas, balsas e até ferrovias na intenção de chamar atenção para o problema. Nunca quisemos acabar com o Mercosul, mas não queremos que ele acabe conosco.

Passamos, com alguns mortos e outros tantos gravemente feridos, por todos os planos econômicos, mas não sobreviveremos muito tempo a essa concorrência predatória. A culpa é das nossas autoridades.

O custo do não fazer será pago por toda a sociedade ali na frente. O mesmo custo do não fazer na educação das crianças e dos jovens pelo que já estamos pagando. O emprego que sobra na Região Metropolitana, por exemplo, falta na maioria das cidades da metade sul. A consequência disso todos sabemos qual é.

A metade pobre do RS é rica em água e terras férteis. Sol não lhe falta, assim como gente com competência e vontade. Não queremos mais depender de verbas emergenciais nem desejamos que o governo seja armazenador de arroz.

Necessitamos a intervenção do poder público para corrigir as assimetrias do bloco Mercosul e para capitanear um melhor aproveitamento das nossas potencialidades de água, solo e clima. Eu afirmo que, com vontade política, pode-se transformar a triste realidade dos municípios da metade sul.

Fiquei animado com a declaração da nossa presidenta de que o arrozeiro não pode ser penalizado pela sua eficiência. Assim como me entusiasmei com a iniciativa do nosso governador de colocar na pauta do Mercosul a necessidade de exportar em bloco. A leitura está correta, agora é hora de agir.
* Ex-produtor rural, estudante de Direito


28 de março de 2011 | N° 16653
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Artistas

Há uma interessante tela de Fragonard. Representa um artista – autorretrato? – com a pena na mão suspensa, o rosto voltado para a esquerda, o olhar dirigido para acima de seu ombro.

Esse olhar, cheio de ardor, contempla um espaço e um tempo sem fim, talvez um passado, talvez um futuro. O artista está à espera, vê-se. Do quê? Fragonard, no título da obra, esclarece: o artista aguarda a inspiração.

O olhar não se dirige ao calhamaço de papéis que pousa na sua mesa de trabalho. Ali ele (não) nada encontrará, a não ser o vazio da folha em branco. A inspiração está em outro lugar, além dele. Numa transcendência, pois. Algo que não está neste mundo nem dentro do próprio artista.

Fragonard foi um pintor entre culturas: com um pé no Classicismo, o outro estava no Romantismo nascente. Ele herdou, portanto, certo quê racional do século 18, mas também a agitação e a tempestade do mesmo século. Assim, é compreensível que a inspiração o inquietasse, colocando-a num plano ideal.

Estamos a falar em séculos pretéritos, sim. Mas somos tomados pela intrigante ideia de que o assunto não foi superado. A inspiração é palavra corrente em nossos dias, e por mais que psicanalistas tenham estudado o caso – Cyro Martins entre estes, e com brilho – procurando dar-lhe uma expressão razoavelmente explicada, ainda resta um contingente enorme de artistas que não sabem e, muitas vezes, nem querem saber – as razões que o levam a escrever um poema, compor uma música ou desenhar um cenário teatral.

Há, aqui, um domínio em que temos de, humildemente, declarar nosso fracasso especulativo.

Essa situação, entretanto, não nos impede de pensar nas circunstâncias em que surge aquele momento fundamental, quase orgástico da inspiração. Para que ocorra, é necessária uma intuição fundamental, mas esta não ocorre se não for originária do conhecimento da arte, da observação e da experiência de vida.

Toda inspiração, é, por isso mesmo, condicionada por tudo aquilo que constitui um universo de saberes. Com isso, devemos relativizar as declarações esotéricas de alguns artistas quando falam de suas inspirações; torram-se artistas não por estas, mas por seu longo aprendizado e contínuo exercício da arte pois, como diz Maiacóvski, só a técnica – que decorre da experiência – liberta o talento.

A palavra do artista nem sempre é melhor do que sua arte, daí que nos decepcionamos quando o artista põe-se a falar sobre seu próprio trabalho. E como fala!


28 de março de 2011 | N° 16653AlertaVoltar para a edição de hoje
PAULO SANT’ANA

O diagnóstico

Quem me lê assiduamente, sabe que tenho péssima ideia da humanidade.

Considero os homens invejosos, odientos, agressivos, rivais.

Pois como por um milagre, vi desmanchada essa minha impressão antiga quando há dias apareceu um câncer no meu organismo, lá onde se localizam as adenoides.

A corrente de solidariedade de que fui alvo me fez ter uma outra ideia sobre o caráter das pessoas.

Mal se espalhou pela sala cirúrgica do Mãe de Deus a notícia, ficaram chocados os médicos, os enfermeiros, logo em seguida em metástase a má nova atingiu os meus amigos, um deles, louco de especial, gritou desesperado: “Não, não, com o Sant’Ana não, com qualquer um, menos o Sant’Ana, que será de nós?”.

Minha filha Fernanda Wainer, que mora em São Paulo e estava de mal comigo, pegou um avião e desceu aqui fazendo as pazes e colocando-se a meu lado na luta que estou enfrentando.

O mesmo com minha ex-mulher Ieda, com o meu filho Jorge, com meus netos, com minha irmã Teresinha, que aos prantos me desejava felicidades na solução de meu drama, o mesmo com minha atual mulher Inajara e minha filha Ana Paula, os meus parentes e amigos sofrendo dor terrível e procurando me amparar nesta hora tensa.

Os médicos, ah! os médicos, estes apóstolos do humanismo, logo desvestiam a máscara de médicos e se revelavam meus amigos, mostrando no rosto apreensão e tristeza, mas sempre com uma palavra encorajadora.

O meu patrão me telefonou várias vezes, alistando-se preciosamente entre os que estarão a meu lado na luta ingente e indormida que vem por aí.

E lá vou eu, ao encontro do meu destino. Mas alicerçado na confiança e na amizade de tanta gente que logo que soube do infausto se colocou a meu lado para trilhar os caminhos que se Deus quiser me levarão à cura.

Como posso eu daqui por diante cultivar a má ideia que tinha das pessoas? Retiro terminantemente esse preconceito idiota que me sujava a mente.

Na rua, ontem, o pensamento dos que me encontravam podia se sintetizar assim: “Não é nada, Sant’Ana, tu tens sido um bravo no combate às tuas inúmeras doenças. Vais tirar de letra mais uma.”

Muitos de vocês, leitores, leram em minha coluna que eu estava com dor de garganta há 130 dias.

O dr. Nédio Steffen, encorajando-me, disse-me ontem que tudo que ele deseja é que minha dor de garganta, inexplicavelmente contínua e duradoura, tenha sido o sinal de alerta para as investigações incessantes e diárias que levaram ao diagnóstico.

Como eu procurei esse diagnóstico! Andei atrás dele durante semanas e meses, até que o obtive. Ele não foi bom, mas agora dependo dele.

E seja o que Deus e meus amigos, leitores e parentes quiserem.


28 de março de 2011 | N° 16653
L. F. VERISSIMO


A última

“Um lugar ao sol” é um filme dirigido por George Stevens, baseado num romance de Theodore Dreiser chamado “Uma tragédia americana”. Jovem pobre (Montgomery Clift) recebe proposta de tio rico para trabalhar na sua empresa, começando por baixo. No trabalho, ele conhece moça pobre (Shelley Winters) e os dois iniciam um namoro.

Convidado para uma festa na casa do tio rico, o moço se sente deslocado entre os grã-finos, sem ter com quem falar. Até que atrai a atenção de outra convidada na festa, que se aproxima dele. E então a Elizabeth Taylor entra na sua vida.

O filme de Stevens, lançado em 1951, é em preto e branco. Não destaca os pontos mais comentados da beleza da atriz, então com seus 20 anos, se não me falha a matemática: os faiscantes olhos violeta. Mas não há outro caso – com exceção, talvez, da primeira visão de Rita Hayworth em “Gilda” – de uma entrada em cena como a dela, na história do cinema. Do momento em que a vê, o pobre moço está perdido.

Literalmente, pois a história deles começará como romance – e raramente o cinema foi tão romântico como na descrição do amor dos dois, que incluirá um longo beijo filmado por Stevens, como uma espécie de suma da paixão arrebatadora, e isso que beijo de língua era desconhecido na época – e terminará em tragédia, com a execução do personagem de Clift, por assassinato.

Pois quando tudo parece encaminhá-lo para um mundo perfeito, o casamento com uma menina rica que, além de tudo, é a Elizabeth Taylor, a Shelley Winters lhe diz que está grávida e que ele precisa casar com ela.

E ele a mata. No livro de Dreiser, mata mesmo. No filme, fica a dúvida: talvez tenha sido um acidente. Mas ele é executado.

Outra diferença entre o livro e o filme é que este atenua a crítica social do livro. Dreiser escreveu sobre a desigualdade e a angústia da ascensão social como causas da tragédia americana. No filme, sensatamente, a ameaça de perder uma mulher como Elizabeth Taylor basta como motivação para o crime. Pois de Elizabeth Taylor se pode dizer que foi a última beleza de Hollywood que justificaria qualquer coisa, inclusive assassinato.

domingo, 27 de março de 2011


FERREIRA GULLAR

A espada de Dámocles

A ameaça maior que restou está no uso pacífico da energia atômica, que se mantém nas usinas nucleares pelo mundo

ESTA MINHA mania de dizer que a vida é inventada pode nos ajudar a ver mais claro algumas coisas. Por exemplo, a energia atômica sempre existiu, mas era como se não existisse, até que cientistas a descobriram e inventaram meios de utilizá-la. Isso poderia não ter acontecido, ou ainda não ter acontecido, dependendo de uma série de fatores. Tanto assim que, durante milênios, o homem viveu sem se valer desse tipo de energia.

Afora a força de seus braços, recorreu à tração animal, à força dos ventos e das águas, até que inventou modos de utilizar o vapor e a eletricidade. Mas lá um dia descobriu-se que a desintegração dos átomos poderia gerar uma energia muito mais poderosa do que todas as energias conhecidas. E poderia ser usada tanto bélica quanto pacificamente.

O uso bélico teve precedência: construíram-se bombas que, em Hiroshima e Nagasaki, mataram centenas de milhares de pessoas.

Isso foi em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial. Aí começou a Guerra Fria e o equilíbrio de terror determinado pelos arsenais atômicos norte-americanos e soviéticos.

O mundo viveu, então, décadas de pânico permanente, temendo todos os dias que algum fato aleatório provocasse a guerra nuclear e, com ela, o fim da humanidade, uma vez que aquelas duas potências militares dispunham de poder atômico capaz de liquidar várias vezes a vida no planeta. Bastaria que um foguete extraviasse, acidentalmente, e tomasse a direção de um daqueles países.

Por sorte, isso não aconteceu, a Guerra Fria acabou e com ela a corrida atômica. Não obstante, os arsenais nucleares não foram inteiramente destruídos. Além disso, outros países também possuem esse tipo de arma, e há ainda os que trabalharam para tê-la. De qualquer modo, a possibilidade de uma guerra atômica mundial parece descartada. Mas não a ameaça nuclear em si mesma.

Paradoxalmente, hoje, a ameaça maior, que restou e se mantém, está no uso pacífico da energia atômica, isto é, nas usinas nucleares espalhadas pelo mundo.

É evidente que o que me leva a escrever sobre esse tema, agora, é o terremoto que atingiu o Japão. Dele decorreu um tsunami devastador que atingiu a usina nuclear de Fukushima, a cerca de 240 quilômetros de Tóquio. Em poucas horas, o grau de radiação, provocada pela explosão de um dos reatores, subia mil vezes acima do nível normal.

Duzentas e dez mil pessoas tiveram que ser, imediatamente, evacuadas da região.
Depois disso, apesar das providências tomadas pelos técnicos, mais três reatores explodiram, vazando vapor, cujas consequências, até o momento em que escrevo, ameaçavam contaminar a população da capital japonesa.

Esse fato trouxe, inevitavelmente, à memória de todos, a explosão do reator central da usina de Tchernobil, em 1986, na antiga URSS, tido como o maior desastre nuclear já ocorrido. O total de mortos, ao logo dos anos, calcula-se entre 30 e 50 mil.

Se no caso atual da usina japonesa, a causa foi natural, o acidente de Tchernobil, segundo os técnicos, foi provocado por erros humanos. Como afirmar que não voltarão a ocorrer em qualquer outra usina?

A alta tecnologia das usinas japonesas não impediu o desastre, cujas consequências últimas ninguém pode prever. Tudo isso prova que não há garantia de segurança. E o lixo atômico, onde iremos sepultá-lo? Já se fala em pô-lo na órbita da Terra! Já pensou?

A pergunta que, inevitavelmente, as pessoas se fazem é: por que manter funcionando tais usinas, que são um risco permanente para todos os seres vivos do planeta?

Não está escrito em nenhum livro sagrado que a energia atômica tem que ser mantida, a qualquer preço. Há outros tipos de energia no mundo, cuja produção é inofensiva.

Se a utilização das energias solar e eólica, em escala capaz de atender as necessidades atuais da humanidade, terá alto custo, não será maior que o das usinas nucleares, não apenas com sua segurança e manutenção, mas, sobretudo, com a perda de vidas humanas, a destruição do meio ambiente e os desastres econômicos, como o que agora atinge o Japão: cerca de US$ 250 bilhões.

Por que teremos que viver com essa espada sobre nossa cabeça?

A partir de hj a noite já estarei em São Paulo onde ficarei até na próxima sexta-feira. Lindo domingo para você e uma gostosa semana.

DANUZA LEÃO

Tão bela e tão brega

Seus penteados e suas roupas eram o suprassumo da breguice de Hollywood, cidade campeã no quesito

ELIZABETH TAYLOR foi a mulher mais bonita do cinema; existiram outras, também deslumbrantes, mas que não tiveram seu brilho de estrela. Até tiveram, mas por um tempo curto. Ava Gardner, Garbo, Kim Novak e outras beldades, aos primeiros sinais de envelhecimento, se trancaram em casa -em muitos casos bebendo- para não serem mais vistas, mas não ela.

Elizabeth, depois dos sets de filmagem, continuou no palco da vida, e nunca desistiu de ser feliz; foram oito casamentos, um recorde.

Uma de suas declarações: "nunca dormi com homem algum, a não ser com meus maridos; que mulher pode dizer a mesma coisa?"

Se disse a verdade, nunca vamos saber, mas é bem possível. No fundo, ela era conservadora -à sua maneira.

A beleza de Elizabeth não se limitava aos olhos: tinha um nariz perfeito e seus traços eram de uma harmonia de tirar o fôlego.

Um rosto tão bonito fazia esquecer sua baixa estatura, os seios grandes demais para seu tamanho -e sempre foi gordinha.

Tendo passado a vida inteira em estúdios de filmagem, sempre como grande estrela, ela nunca soube o que era a vida normal. Achava que tinha direito a tudo, como uma menina mimada.

Uma vez uma fã chegou perto dela e disse as coisas convencionais, tipo "você é linda, te adoro" etc. Essa mulher tinha na lapela um broche com um magnífico diamante; Liz olhou e disse, candidamente: "quer me dar de presente?"

Para ela, isso seria normal. Detalhe: a mulher não deu.

De outra vez, estava no baile Proust, no fabuloso castelo Ferrières, dos Rothschild, e quando a anfitriã, Marie Helène, se queixou da despesa para manter a imensa casa, ela perguntou: "por que você não dá para mim? Eu e Richard (Burton) poderíamos cuidar dela". A realidade, para Elizabeth, não existia, ou melhor, ela não conhecia.

Muito álcool, muitas drogas, muitas plásticas, muito botox. Em sua última imagem, a deslumbrante atriz estava quase irreconhecível; seu rosto estava deformado, inchado, uma desolação. Mesmo assim, nunca se escondeu dos fotógrafos nem deixou o palco, não mais do cinema, mas dos acontecimentos.

E era uma boa amiga: quando Peter Lawford foi internado na clínica Betty Ford por seus excessos, ela se internou também, para dar uma força, e seu copeiro ia todos os dias servir a refeição predileta de seu amigo. Elizabeth passou a vida rodeada por gays, e não ouvi falar que tenha tido nenhuma amiga mulher, a não ser Debbie Reynolds, de quem roubou o marido sem a menor cerimônia.

Ela era tão bonita que ninguém nunca notou o quanto era cafona.

À medida que o tempo foi passando, seus penteados e suas roupas eram o suprassumo da breguice de Hollywood, cidade campeã no quesito. Mas sua beleza era tão grande que ela podia se dar ao luxo de se vestir absurdamente mal.

Dependendo dos papéis que representava, quanto mais despojada, mais natural e mais simples, mais deslumbrante era.

E corajosa: tinha uma saúde frágil, e depois de uma cirurgia na qual foi submetida a uma traqueostomia, saiu do hospital direto para uma festa, com um colar que era um fio de platina e um grande diamante cobrindo a cicatriz do pescoço. E passou a noite dizendo, sorrindo: "é uma espécie de band-aid que eu inventei".

Foi a última estrela de uma época que com sua morte acabou para sempre.

danuza.leao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Dilminha paz, amor e arte

BRASÍLIA - Nem só de corte no Orçamento, luta contra a inflação, cargos do PMDB, reuniões e recepções vive a presidente Dilma Rousseff. Nas horas vagas, ela estuda o acervo de telas e esculturas do Banco Central, para criar um museu de arte brasileira em Brasília.

Washington tem um museu a cada esquina, de arte clássica e contemporânea, Holocausto, ciência, imprensa. Buenos Aires tem o Malba (artes latino-americanas), que ela acha "espetacular". E Brasília?
Quem procura acha, e Dilma está fascinada pelos Portinari, Di Cavalcanti, Bonadei e Cícero Dias confiscados de inadimplentes e espalhados por BC, INSS, CEF e Banco do Brasil. "O povo tem de ver!"

Ela não disse, mas bem que o próximo lote poderia ser do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, que faliu o Banco Santos e deixou relíquias bilionárias numa mansão-museu no Morumbi, em São Paulo.

Dilma gostaria de pendurar uma obra ou outra no Alvorada, "mas não tem paredes!". A relação com o palácio, aliás, é ambígua. Acha "lindíssimo" e conta a reação de Sasha, filha de Obama, ao chegar: "É a casa mais bonita que já vi". Mas reclama: "Para ir do quarto à cozinha, só de patins".

Sem se sentir dona do Brasil, dos palácios e dos acervos, ela parece de bem com a vida de presidente e disposta a abrir as portas do Alvorada, como fez na na sexta-feira para muitas cineastas e poucas jornalistas jantarem, tagarelarem e assistirem a "É Proibido Fumar", dirigido por Anna Muylaert e estrelado por Glória Pires, ambas presentes.

Dilma livrou o Brasil do vexame de se abster em votações sobre os direitos humanos, desmontou o palanque do antecessor e se empenha em acabar com o clima belicoso do eu contra tu, nós contra eles.

Enquanto a inflação for só ameaça, a previsão do PIB ficar em 5% e não surgir nenhum escândalo, o Planalto está mais pacificado do que o Complexo do Alemão. Em cena, Dilminha paz, amor e arte.

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

Irã é ponto fora da curva

SÃO PAULO - São prematuras as notícias da morte da política externa Lula/Amorim. É verdade que, na quinta-feira, o Brasil votou contra o Irã, pela primeira vez em pelo menos oito anos, no caso da designação de um relator especial para investigar violações aos direitos humanos no país persa.

Mas é um acontecimento pontual demais para que se possa enxergar nele uma mudança abrangente e/ ou permanente.

Primeiro, porque não estavam em jogo sanções ao Irã. É até possível que o foguetório em torno de uma mudança profunda se deva ao fato de que causa certa confusão, em um país pouco atento à política externa, jogar na mesma sentença Brasil, Irã e Nações Unidas.

O voto do Brasil a favor do Irã foi no Conselho de Segurança, quando se debatia a imposição de sanções por causa do programa nuclear iraniano -sanções afinal aprovadas. O voto contra o Irã foi no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no qual se debatia um passo prévio a eventuais sanções, qual seja, a investigação de violações aos direitos humanos.

É claro que a reação do governo iraniano foi furibunda, como só podia ser. Regimes que se creem a encarnação da palavra de Deus não podem tolerar que se duvide do que quer que digam, sobre a bomba ou sobre direitos humanos.

Mas a explicação da embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, a representante do Brasil perante o escritório da ONU em Genebra, é simples e coerente: "Há suspeitas de violações? Há. O país colabora com o Conselho? Não. Então, cabe uma investigação".

Além desses aspectos factuais, há uma lógica para dizer que é no mínimo improvável qualquer mudança de fundo na política externa: Dilma Rousseff é herdeira dela. E recebeu um país com mais relevância internacional do que antes. Faz sentido mudar só para agradar a oposição, que, convém não esquecer, perdeu a eleição?

sábado, 26 de março de 2011



27 de março de 2011 | N° 16652
MARTHA MEDEIROS


Dois em um

Muito se falou sobre Cisne Negro, o filme que não venceu o Oscar mas que foi, de longe, o mais perturbador e perturbação é vital para o pensamento. Houve quem tenha prestado atenção na questão da esquizofrenia, outros ficaram atraídos pela angustiante busca da perfeição artística e outros viram ali apenas mais um filme de terror. Há outro aspecto ainda, que é o que mais me seduziu: a dificuldade de conviver com a dualidade que existe em nós.

Há na sociedade uma tendência de encaixotar as pessoas e selar uma etiqueta para defini-las. Se você é uma pessoa de cabeça aberta, não lhe perdoarão ser contra o aborto. Se é uma natureba, jamais deverá ser vista tomando uma coca-cola. Se é respeitada nos meios intelectuais como uma grande pensadora, nem se cogita ouvir de sua boca uma resposta parecida com “não sei”. Tem que saber. É obrigatório confirmar o que o seu rótulo induz a pensarem sobre você.

Ainda que tenhamos, todos, um estado de espírito predominante e um estilo de vida que dá pistas sobre o que nos é caro, a verdade é que nada nos define integralmente. Um homem pode ser conservador em suas aplicações financeiras e ao mesmo tempo um aventureiro que se arrisca em esportes radicais.

Uma mulher pode tomar seus pileques de vez em quando e ser extremamente responsável na educação dos filhos. Para a comissão julgadora, isso sugere leviandade: ou você é uma coisa, ou outra. Senão, como garantir a estabilidade que nos estrutura?

Podemos ser uma coisa, e outra, e mais outra, inclusive coisas que se contradizem (te amo, mas preciso ficar sozinho) e não há nada de frívolo nisso. Ao contrário, as pessoas verdadeiramente maduras são as que não se sentem inseguras com suas contradições e conseguem extrair delas uma sabedoria que lhes sustenta. A comissão julgadora fica meio perdida. Que nota essa criatura dual merece? Sugiro: zero em harmonia, 10 em evolução.

No filme, a dualidade se manifesta através do lado claro e escuro da bailarina que precisa interpretar dois personagens antagônicos num mesmo ballet. Ser virginal e erótica ao mesmo tempo lhe esgota e amedronta: como sobreviver a tamanha contradição?

Há muitas possibilidades de desfrutar de antagonismos sem que percamos nossa integridade, basta que a gente tenha um mínimo de bom senso para saber até onde o anjo e o demônio em nós pode se manifestar sem causar danos aos demais. Há espaço para ambos existirem, sem comprometer a nossa singularidade – ao contrário, é na ambivalência que nosso “eu” se firma e encontra a plenitude.

Se isso tudo não passar de conversa pra boi dormir, ao menos serve como argumento para justificar as inquietantes dúvidas que nunca nos abandonam.


27 de março de 2011 | N° 16652
VERISSIMO


Don Juan e a Morte

Quando a mulher revelou que era a Morte e que viera buscá-lo, Don Juan não pulou da cama nem tentou fugir. Apenas sorriu e disse:

– Eu deveria ter desconfiado.

– Por quê? – perguntou a Morte.

– Porque nenhuma mulher tão linda se entregaria a mim tão facilmente, se não fosse uma armadilha.

– Mas você não é um sedutor famoso? Um homem irresistível?

– Sim, mas na minha experiência, quanto mais linda a mulher, mais difícil a sedução. E com você não precisei usar nenhum dos meus truques. Nem meu olhar de desatar espartilhos, nem os versos que orvalham o portal do amor antes mesmo do meu primeiro toque... Você é a mulher mais bonita que já conheci, mas bastou dizer “vem” e você veio. Eu deveria ter desconfiado.

– Eu talvez tenha me precipitado, ao ceder tão facilmente. Gostaria de ouvir seus versos, que também são famosos. Se eu tivesse resistido um pouco mais...

– Pois é. Agora é tarde.

– O que você diria da minha beleza, se fosse obrigado a recorrer à poesia para me trazer pra cama?

– Bem. Assim, de improviso... Ainda mais depois de saber da minha morte iminente...

– Tente.

– Eu começaria elogiando o seu porte heráldico. Compararia a brancura da sua pele às primeiras neves, quando os cristais ainda reluzem, e o rego dos seus seios ao estreito de Gibraltar, onde dois continentes portentosos se roçam. Comentaria as estrias roxas do seu cabelo e... e...

– Que foi? Por que parou?

– Acabo de me dar conta. Está explicado por que nos amamos em todas as posições possíveis, inclusive algumas que eu mesmo inventei, sem que eu ouvisse um “ui” da sua boca. Um mísero “ui”. Você manteve-se fria o tempo todo. Claro! Onde se viu a Morte gozar?

– Desculpe, eu...

– Não se desculpe. Você não vê? Isto redime a minha masculinidade. Pensei que tivesse perdido meu jeito de satisfazer as mulheres, que nunca tinha falhado antes. Mas não era eu. Era você. Você só estava aqui a serviço, não para se divertir.

– Não deixou de ser agradável.

– Obrigado, mas não precisa mentir. Vou morrer feliz, sabendo que não falhei. E o irônico é que passei a vida inteira seduzindo mulheres para adiar a velhice, enganar o tempo e protelar a morte, e ela, a morte, você, me aparece assim. Na forma da mulher mais bonita que já conheci. Olhos como lagos fosforescentes, pescoço como a coluna de mármore de Amastar, onde peregrinos encostavam a testa para rejuvenescer; tornozelos como...

– Não quero interromper, mas acho que deveríamos partir.

– Certo, certo. E se a gente desse mais uma, rapidinha, só para eu me lembrar depois? Ouvi dizer que, no céu, o canto coral substitui o sexo e no inferno é só com um cabrito.

– Não é uma boa ideia. Vamos?

– (Suspiro) Vamos.


27 de março de 2011 | N° 16652
PAULO SANT’ANA


Estou de volta, por enquanto

A situação é a seguinte neste meu retorno à coluna: fui alvo de uma cirurgia na quarta-feira última. O cirurgião Nédio Steffen retirou da minha região rinofaríngea um tumor maligno, um carcinoma.

Foi auxiliado no procedimento pelo anestesista Egídio Portella e pelo patologista Geraldo Geyer.

Suponho agora, ainda atordoado pela notícia, de que vou fazer tratamento radioterápico ou quimioterápico.

Tantos tumores em minha cabeça, dois nos ouvidos, dois nas parótidas, ainda sobreviventes, o da faringe haveria de ser câncer, os outros quatro são benignos.

Mas me resta ainda uma forte esperança.

Conheço seis homens que se casaram, é incrível, duas vezes com a mesma mulher. De papel passado, casaram-se a primeira vez, separaram-se e voltaram a casar com a mesma mulher

Um desses seis heróis é o meu querido oftalmologista Joaquim Xavier.

Já eu confesso que não me casaria nem pela primeira vez com a mesma mulher.

Sinto que os médicos clínicos têm um certo ciúme, uma determinada inveja dos médicos-cirurgiões.

E para agravar ainda mais esta natural rivalidade, os cirurgiões ainda clinicam.

E os clínicos não operam.

Entenderam-me?

Antes de 1980, com uma estagnação da indústria farmacêutica, a maioria dos analistas e psiquiatras usava da conversa, isto é, da psicoterapia para tratar de seus clientes.

Após 1980, com um espantoso avanço da indústria farmacêutica, a maioria dos psiquiatras e analistas passou a receitar abundantes remédios para seus doentes emocionais.

Ou seja, antes de 1980, os analistas e psiquiatras tentavam com conversa resolver o problema de seus clientes.

Agora, com toneladas de remédios receitados aos clientes, os analistas e psiquiatras tentam resolver o problema deles próprios (dos analistas e psiquiatras).


Voltando à minha anatomia tumorosa, são cinco os tumores existentes em minha cabeça, afora os que operei no passado.

Felizmente, nenhum desses tumores atingiu meu cérebro, o que me permite escrever esta coluna, por exemplo.

E também nenhum desses males atingiu meu coração, pelo que posso continuar sendo bondoso e apaixonado.


27 de março de 2011 | N° 16652
DAVID COIMBRA


Como é difícil não gostar

Já disse que não gosto do Philip Roth, ele e as chorumelas psicanalíticas dele. Todo mundo gosta, o Zé Pedro Goulart, a Martha Medeiros, o Tulio Milman, o Carlos Moreira, todo mundo. Então, me esforcei. Se tanta gente boa gosta, deve ser bom. Li alguns livros do Philip Roth, uns quatro. Foi uma dor. Sempre terminava irritado com as lamúrias dos personagens.

Não leio mais. Assim aquele sul-africano, o Coetzee. Ele ganhou o Prêmio Nobel, várias pessoas o elogiaram. A Claudia Laitano um dia chegou a suspirar:

– Ele é tããão bom...

Assim, antes de ir para a Copa da África, pus-me a ler livros dele. Bem parecido com o Philip Roth. Os personagens odeiam-se a si mesmos, por que eu iria gostar deles?

Não leio mais.

Virginia Wolf: o Tatata Pimentel a-do-ra. Clarice Lispector: o Verissimo é fã e até a conheceu pessoalmente, ela foi amiga do Erico e tudo mais. Então, lá me fui. Li livros delas. Umas depressivas. Tudo é miserável para essas mulheres. Piores do que Philip Roth.

Não leio mais.

Não foi fácil para mim reconhecer que desprezo esses autores até a náusea. Tenho tendência a querer gostar das coisas que as pessoas gostam. Respeito uma pessoa, ela gosta de algo, então quero gostar também. É uma forma de ser respeitado por aquela pessoa a quem respeito.

Compartilhamos do mesmo gosto, temos algo em comum, pertencemos ao mesmo clube. Demorei algum tempo até admitir para mim mesmo que não gosto de certas coisas que gozam de grande prestígio entre gente de prestígio.

O problema é que, quando digo que não gosto, acontece justamente aquilo que temia: a pessoa que gosta me exclui do clube. As pessoas ficam ofendidas quando você fala mal de algo de que elas gostam. Como se você falasse mal delas.

Ocorre que, tempos atrás, escrevi que não gostava de futebol feminino. E uma menina de 10 anos de idade, que joga futebol feminino, ao ler aquilo, chorou. Para minha sorte, a mãe dela, mesmo tendo me odiado pelo que escrevi, continuou me lendo. Leu a coluna de domingo passado, escreveu um e-mail para mim falando a respeito e contou sobre sua filha. Sobre o choro da sua filha. Fiquei arrasado. Respondi à mãe da menina que, quando escrevo, não quero fazer ninguém chorar, não quero deixar ninguém triste.

Minha intenção é tentar fazer algo de bom com algo que acho que sei fazer bem. Não corrigir o mundo, nem ser profundo como um Philip Roth, um Paul Auster ou um Coetzee, cruzcredo, mas talvez fazer alguém sorrir ou refletir sobre um fato da vida por poucos momentos.

Só isso. Fazer alguém chorar, jamais. Sobretudo uma menina de 10 anos de idade. Então, a partir de agora, declaro que amo futebol feminino. Mas, se meus amigos se ofenderem com meu gosto literário, lamento: não leio mais o Philip Roth.

Agora alguém fez um gol

A todo minuto tem alguém marcando um gol em alguma parte do mundo. É jogo de segunda a segunda, de manhã, de tarde e de noite. Quando se para de fazer gol no Brasil, começa-se a fazer gol na Alemanha; quando o juiz apita o fim do último jogo na Alemanha, outro juiz apita o começo do primeiro jogo no Japão.

Não foi sempre assim. Havia menos campeonatos, outrora. Sei disso porque vivi outrora. Vivi num tempo em que era Gauchão e Brasileiro e só. Lá muito de vez em quando uma Libertadores, um Mundial. Antes disso, creia, só tinha Campeonato Gaúcho.

Você imagina que era um Super-Gauchão, não é? Engana-se. Em 1949, um único árbitro apitou TODOS os jogos do campeonato. Era o famoso inglês Mister Cyril John Barrick, que ensinou os gaúchos a apitar futebol.

O Metropolitano, então o principal campeonato, era disputado por apenas sete times. Mister Barrick apitava três jogos por fim de semana. Um time folgava. Assim, o campeonato ia longe.

Hoje as pessoas sentem necessidade de assistir ao seu time jogar três vezes por semana, senão lhes dá coceira. Nos intervalos, debatem esquemas, o número de volantes, a atuação do lateral-esquerdo reserva, tudo isso em horas sem fim de programações de rádio e TV, em páginas sem fim de jornal e telas sem fim na internet.

Como o futebol rende assunto! Quem lê tanta notícia?, perguntar-se-ia o Caetano. Resposta: todo mundo lê tudo sobre futebol. As pessoas sentem necessidade de ler, ouvir, falar e ver futebol. Por isso, que ninguém se assuste: seja qual for o acerto que os clubes fizerem, todos os jogos serão transmitidos pela TV no Brasileirão.

Não há como ser diferente. O brasileiro, pode lhe faltar manteiga, arroz, feijão e pão, como diz a marchinha de Carnaval. Futebol, não. Sem futebol, o brasileiro faz a revolução.

Marcela Buscato

A guerra contra o relógio biológico

Se você é mulher, é bem provável que em algum momento da sua vida (lá pelos 10 anos de idade, no caso de neuróticas como eu), você tenha começado a pensar com quantos anos gostaria de ter um filho. Sim, porque a pergunta é com que idade e não SE você gostaria de ter um filho. É o que todo mundo, aparentemente, espera de você, mocinha de família que vai estudar, fazer faculdade, casar e engravidar. Tudo assim, necessariamente nessa ordem (porque a vida é assim, milimetricamente planejada, claro). Na época da minha avó, os planos eram lá pelos 19 ou 20 anos. Na da minha mãe, lá pelos 24 ou 25 anos.

Na minha, boa pergunta. Lá pelos 28 anos, para seguir a progressão? Mas eu já estou nos 28! Meio cedo, né? Até alguns meses atrás, eu ainda perguntava para a minha mãe se ela achava que eu tinha de dormir de cobertor ou se só de manta estava bom para o frio que estava fazendo. Como é que eu vou criar uma criança? Mas as pessoas acham que não, não é cedo. Para quando você quer o seu bebê? Não vai demorar muito, não é?

Tem gente que chama esse clamor de relógio biológico. Eu já acho que é pressão social mesmo. Sim, eu sei das estatísticas. Em uma aula de biologia nos remotos tempos do Ensino Médio, eu cometi uma das maiores gafes da minha vida, o que me impede de esquecer que as estatísticas existem. O professor discorria sobre todas as anormalidades genéticas que podem acontecer na gravidez, e cujas probabilidades aumentariam depois dos 30 anos.

Descobri síndromes que não sabia que existiam. Cutuquei o colega da frente. “Imagina, deve dar muito medo de ter um filho com uma dessas síndromes!” Ele sorriu amarelo, concordando. Dias depois, descobri que a namorada dele estava grávida. Ai, os 17 anos! A gente não sabe controlar os hormônios. E nem manter a boca fechada (acho que isso eu ainda não aprendi…).

Enfim, as estatísticas podem ser reais (e não significam que um filho com algum problema será menos amado). Mas são outra fonte de pressão social, não biológica. Será mesmo que o corpo manda sinais para o nosso inconsciente do tipo “Ei, seu óvulos estão acabando. Ei, os cromossomos estão ficando velhos. Eles podem ficar meio caducos. Vai que eles se dividem errado?”.

Nem precisa. As pessoas se encarregam disso. No fim, a gente passa muito tempo pensando quando ter filhos, mas pouco tempo analisando se os quer de verdade (pronto, frase para despertar a fúria de muitos leitores, em especial de avós em potencial. Avós em potencial nunca acham que ter filhos é uma questão de escolha, mas um desdobramento absolutamente normal da existência).

A escritora britânica Kasey Edwards teve que enfrentar o dilema em menos de um ano. Em seu livro “30-Something And The Clock Is Ticking” (Mais de 30 e o relógio continua marcando), a ser lançado no Reino Unido em abril, Kasey conta como descobriu que, em um ano, suas chances de engravidar seriam remotas. Em um belo dia, ela saiu do consultório da ginecologista com a sentença. Seus problemas de útero e ovário se agravariam em 12 meses a ponto de tornar uma gravidez inviável. Kasey se deu conta de que teria de decidir se queria ou não ter filhos.

Assim, para ontem! Contou naquela mesma noite para o namorado, com quem estava há um ano. Ele amaria uma mulher infértil? Ele disse que sim, mas que não custava tentar encomendar um herdeiro (parece mais um não). Seis meses se passaram e os testes de gravidez não se manifestavam. Não positivamente, pelo menos. A médica de Kasey recomendou que eles partissem direto para a fertilização in-vitro, quando o óvulo é fecundado com o espermatozóide em laboratório e depois implantado no útero da mãe. O procedimento deu certo. Nove meses depois, Kasey e o marido deram boas-vindas à Violet, hoje com dois anos.

A alegria de ter uma filha não fez que Kasey se esquecesse dos sentimentos que viveu quando acreditava ser infértil. “Vazia”, “inadequada” e “culpada” são as palavras que ela usa para descrever seu estado de espírito na época. São as mesmas sensações relatadas com frequência por mulheres com dificuldades para engravidar. Não duvido que elas queiram um bebê mais do que tudo.

Mas as palavras usadas para descrever a angústia mostram que boa parte do sofrimento vem da impossibilidade de viver o papel esperado para a mulher e não pelo pesar de não ter um filho e acompanhar seu desenvolvimento, suas alegrias e conquistas pelo resto da vida. Nenhuma mulher pode se sentir menos valiosa do que outra por não engravidar. O papel de mãe pode ser um dos mais sublimes que recebemos na vida. Mas não é o único.


26 de março de 2011 | N° 16651
NILSON SOUZA


Bilhetinhos

Abrahão Lincoln usava bilhetinhos para dar ordens a seus subordinados, com o propósito de driblar a burocracia que já atrapalhava a administração norte-americana no século 19. Churchill e Getúlio Vargas também se valeram desse expediente, que acabou consagrado por Jânio Quadros no breve período em que comandou o país e também nos outros governos que exerceu.

Existe até um livro com centenas de bilhetinhos escritos pelo Homem da Vassoura, muitos deles bem divertidos. Veja-se, por exemplo, este memorando que ele encaminhou para seu secretário de Serviços e Obras quando era prefeito de São Paulo:

Fui almoçar, hoje, no refeitório dos trabalhadores da Limpeza Pública.

Anote bem:

- Porta da cozinha imunda;

- Trabalhadores vestindo andrajos;

- Instalações sanitárias com azulejos e teto imundos;

- Pátio interno sujo;

- Máquinas e motores desativados, que devem ser, pelo menos, vendidos como ferro-velho;

- Lixo por toda a parte, fétido, insuportável;

- Maquinaria precisando de uma demão de pintura;

- Bancos nos sanitários sujos e sujas as paredes;

Mas é sobretudo na alimentação, que tenho algo a dizer:

1. O arroz deve ter sido feito sem gordura e não se serviu como sobremesa nem uma banana;

2. Não gostei da comida e aposto que V.Exa. não gostaria também;

3. Sugiro que uma vez por mês, V.Exa. almoce em um desses refeitórios;

4. Dou 30 dias, prazo improrrogável, para que todas essas falhas graves, sejam corrigidas.

Voltarei a visitar esse e outros refeitórios.

JÂNIO DA SILVA QUADROS, Prefeito

O curioso é que, mesmo com todos os avanços tecnológicos, a história da humanidade continua sendo escrita por bilhetes. George Bush estava numa sala de aula em 11 de setembro 2001 quando um de seus assessores entregou-lhe um bilhete com a informação de que os Estados Unidos estavam sob ataque aéreo.

No mesmo instante, o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, que estava numa reunião no Pentágono com visitantes, recebeu discretamente um bilhetinho semelhante, que dizia: “Um avião impactou no World Trade Center”.

E agora, pelo que se noticiou esta semana, o senhor Barack Obama estava numa reunião com a presidente Dilma Rousseff no momento em que seus assessores militares passaram-lhe o famoso papelzinho com a informação de que ele deveria autorizar o ataque à Líbia.

Na era do Twitter, do iPad, do telefone celular e da internet, os prosaicos bilhetinhos continuam fazendo estragos. Se fosse Jânio – e não Obama – o responsável pela ordem, provavelmente teria justificado o ato com a sua mensagem mais famosa:

– Fi-lo porque qui-lo!


26 de março de 2011 | N° 16651
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES



Charrua

Para o Charrua João Rodrigues, Índio, poeta e declamador

Todos dizem Negro João,

Mas não é negro – ele é índio.

É um enigma? Deslinde-o

Usando só o coração,

Porque ele é pura emoção,

Um monumento à poesia,

Ao amor e à declamação.

Nasceu redondo e rolando

Pelos rincões da fronteira

Com o jeito, a cor e a força

Da pedra da boleadeira,

Punho de bronze fechado

Para golpear de primeira,

Ás de espadas perigoso

Na carpeta de carreira

Uma bela flor de ouro

Na carteada milongueira,

O frio que corta brilhando

No fio da faca campeira,

A voz, um trovão no pampa

Que surpreende de primeira,

Mas conquista, persistente,

Ao se tornar feiticeira.

O Charrua é meio bruxo,

O índio é o que é:

É guerreiro na peleia,

Não é cacique ou pajé.

Herdou a lança de guerra

Que um dia foi de Sepé.

Ele se ergue e vê longe

O mundo sempre daqui:

Do outro lado, o Uruguai.

No meio o Rio Quaraí

E a poesia deslizando

Como um poema em guarani,

Talvez um puma bramando

Com tanto amor por aí,

Cheiro de fêmea no cio

Com renda de inhanduti.

O índio se ergue gigante,

Não é bondoso nem mau.

É uma pedra, algum diamante,

No curso da água sem vau,

Recortada por instante

Contra o Cerro do Jarau.

Fala, índio, que o teu verso

Quase sempre diferente

É minuano quando frio,

Vento norte quando quente,

Impetuoso numa carga

Avalanche na torrente

E ao ver a china sonhando

– carinhoso, de repente...

Fala, Charrua! O teu verso

Incendeia e alumia

Canha azulada e ardente

Como trova de a porfía,

De lua cheia, de noite,

De sol forte, em pleno dia.

Tua Arte é para sempre

Porque em ti tudo é Poesia.

Madrugada,
28 de dezembro de 2008


26 de março de 2011 | N° 16651
PAULO SANT’ANA | MILENA FISCHER (interina)


Delicadeza

Escrevo diante da sala do diretor de Redação da Zero Hora, que nesse momento conversa com o proprietário desta coluna, meu generoso amigo Paulo Sant’Ana. Curioso vê-lo através do vidro, gesticulando no silêncio. Ele, que sempre tem palavras para todas as coisas.

Em sua genialidade, em sua infantilidade, em sua megalomania, ele jamais deixa de se expressar em brados e murmúrios. Dividimos bons e maus hábitos, e o melhor deles é a cumplicidade. Me é caro ser cúmplice de uma pessoa rara, que navega entre momentos de insanidade e mais pura ciência das coisas.

O mundo está cheio de iguais e este amigo é ímpar.

Por mais dolorosas que já tenham sido nossas discussões, a cada dia ele se trai deixando mais claro que, no fundo, catedrais habitam seu coração – como escreveu um dos seus poetas prediletos, Augusto dos Anjos.

Talvez eu não tenha nascido para ser mãe. Não creio que se venha do berço com esse tipo de atributo. Senão, o que nos ensinaria a vida? Como seguiríamos sendo surpreendidos?

Não creio. Mas também não sei, porque sei pouco dessas afirmações que envolvem certezas tão grandiosas quanto ter nascido para ser mãe ou pai ou gênio ou feliz ou triste. Nasce-se.

O resto nos inventa a vida. Não sei de nada disso. Mas desconfio – e apenas desconfio – que vem da minha filha esse meu sentimento de “nasci para ser mãe”. E não apenas mãe, mas mãe, também.

Desconfio que esse sentimento de estar no papel certo venha das risadas de uma criança que é um estardalhaço de alegria. Quase constrangedora. Desconfio que venha daí, dos choros, dos colos, das manhas, das pequenas mãos no meu colo, do olhar inquisidor ou indignado ou tranquilo. Uma criança tem um olhar para cada coisa desse mundo e é nesses momentos que desconfio que é um filho que faz a mãe.

A jornada de aprendizado que os pais têm a chance de ter com os filhos pode ser tão grandiosa quanto a tarefa adulta de educar as crianças. Cada momento contém em si uma oportunidade – a qual usualmente não aproveitamos por distração, excesso de tarefas e até uma certa preguiça. O ponto de vista de uma criança é tão cristalino e ausente de ruídos que é uma falta não aproveitar essas oportunidades para mudar o foco. Há os exemplos óbvios.

Um dia de chuva nunca é uma lástima para uma criança, mas a chance de pisar em poças – e sorrir. Uma noite sem luz elétrica é uma aventura – e a oportunidade de trocar a televisão e o computador por conversas. Mas as oportunidades não estão apenas nos momentos de diversão. Uma desavença na escola pode resultar em um castigo ríspido – ou então em uma oportunidade de entendimento e cumplicidade. A diferença entre amar e criar é profunda – embora possa parecer sutil.

Sem as certezas, seguimos sendo surpreendidos pela vida. O que é incrivelmente enriquecedor. Ser capaz de perceber oportunidades é uma dessas surpresas – que não pertence apenas ao universo de pais e filhos. Em um engarrafamento de trânsito, há a possibilidade de ser paciente e a oportunidade de ceder a vez ao outro e ser, simplesmente, gentil. Ao gastar demais, existe a oportunidade de aprender a lidar com as finanças.

Ao conviver com uma pessoa rara, existe, muito além da sua excentricidade, a possibilidade de viver momentos inesquecíveis. E esta é uma oportunidade em extinção.

É bom ver o meu amigo de novo, perambulando por aqui. Amanhã ele voltará a ocupar seu espaço nesta coluna.


26 de março de 2011 | N° 16651
CLÁUDIA LAITANO


Encantadores de gente

Antigamente, na língua portuguesa, existia apenas um tipo de encantador: o de serpentes. Muito comuns nas ruas da Índia e nos desenhos animados, os encantadores de serpentes usavam turbante e tocavam flauta para fazer a cobra sair da cesta – habilidade que, no Brasil, não escapou à malícia da música popular (“Lá na Índia/ Todo mundo sabe/ É mandinga do faquir/ Saber tocar a flauta/ E fazer a cobra subir...”) .

Hoje em dia, graças a uma tradução não muito confiável de uma expressão em inglês (“whisperer”), há “encantadores” para quase tudo: cachorros, bebês, cavalos, búfalos e até fantasmas.

O encantador nada tem de místico ou sobrenatural (com exceção, talvez, do encantador de fantasmas, por motivos óbvios), apenas domina de forma notável uma linguagem inacessível à maioria. O encantador combina técnica e talento, vocação e aptidão, mas também tem que ter sorte e oportunidade para exercitar seu dom inato.

Nos últimos dias, me ocorreu que existem encantadores de gente também, pessoas capazes de seduzir e atrair a atenção de todos como se dominassem algum tipo de saber secreto, transmitindo a cada interlocutor em particular a sensação de que fala especialmente para ele. Na semana que passou, três encantadores lançaram seu feitiço sobre mim:

1) O encanto pela voz – O teatro estava lotado, no último domingo, para o show de Milton Nascimento em Porto Alegre. A maior parte do público estava ali pagando tributo a algum tipo de memória afetiva. Milton não toca no rádio, quase não aparece na TV e há alguns anos pouco se fala dele nos jornais.

Quando entrou no palco, caminhando com dificuldade, era como se todos aqueles momentos embalados por Caçador de Mim ou Canção da América tivessem acontecido em um século muito distante – o que não deixa de ser verdade. Mas então Milton começa a cantar. No início, com a voz ainda frágil, oscilante. Aos poucos, ele cresce no palco, se agiganta, aproxima-se cada vez mais do intérprete mítico que repousa intacto na memória dos fãs.

A voz, apenas a voz – mas que voz.

2) O encanto pela oratória – Ele é só um político, ou seja, um sujeito que não concede um sorriso sem uma agenda de intenções. Cada gesto é calculado para ter o efeito desejado, e não apenas junto à pequena audiência que tem o privilégio de estar diante dele, mas de todo o mundo. O planeta é o seu palco – e ele se sente visivelmente à vontade em cena. Obama sorri como homem comum, mas fala como estadista. E como sabe falar esse homem.

3) O encanto pela beleza – Ela casou oito vezes: com playboys, atores e até com um operário da construção civil. No cinema foi dondoca, rainha, prostituta. Na vida real, roubou o marido da melhor amiga e depois casou duas vezes com o mesmo homem. Colecionou diamantes e ajudou a popularizar a luta contra a Aids.

Engordou, envelheceu, sumiu do cinema. Elizabeth Taylor permaneceu diante das câmeras por mais de 60 anos. Sabe-se quase tudo sobre ela. Mas para a geração dos meus pais ela permanece uma lenda: a encarnação de uma beleza tão mítica e rara quanto a cor dos seus olhos. Nenhuma diva é tão diva quanto uma diva dos anos 50.

sexta-feira, 25 de março de 2011


FERNANDO DE BARROS E SILVA

Marina na floresta

SÃO PAULO - Escancarou-se a disputa pelo comando e pelos rumos do PV. De um lado estão José Luiz Penna, presidente dos "verdes", e o deputado Zequinha Sarney (MA), do mainstream partidário; do outro, os "marineiros", representados pela voz do deputado Alfredo Sirkis, presidente do PV no Rio.

A briga explodiu depois que Penna manobrou internamente e aprovou a prorrogação de seu mandato por mais um ano, frustrando a expectativa de que haveria renovação da direção verde ainda em 2011.

Era uma crise anunciada. Marina fez com o PV um casamento de conveniência. A um partido sem expressão, vinha a calhar a candidata negra e de origem pobre, cuja trajetória pública se confundia com a pauta ambiental e a bandeira do desenvolvimento sustentável. Marina teve quase 20 milhões de votos. Acumulou respeitabilidade. Mas não engordou a bancada verde.

Marina tomou Doril depois da eleição. Ela e seu grupo agora buscam respaldo na mídia e na opinião pública, que lhes são simpáticas, porque no front interno levaram uma rasteira. Quem manda no cartório verde é Penna e sua turma.

No cargo desde 1999, esse tipo meio "hipponga", que mais lembra um remanescente de Arembepe, fala menos na língua peace & love do que no idioma dos negócios. Importa ao PV de Penna estar com Kassab em São Paulo, com Alckmin no Estado e com Dilma no plano federal. O PV é o Partido da Voltinha, sempre de olho no próximo cliente.

Entre os "marineiros" circula até a versão de que Penna estaria agindo em nome de interesses maiores, sobretudo do petismo, empenhado em desarticular o legado eleitoral de Marina. Parece uma tese típica da esquerda, um tanto paranoica.

Marina é uma reserva de energia limpa no PV. Mas precisaria também produzir alguma combustão política. Ela transmite a incômoda sensação de estar sempre num pedestal -além e acima das disputas. Sem descer da árvore para brigar, vai acabar eleita rainha da floresta.

RUY CASTRO

Rainha Elizabeth

RIO DE JANEIRO - Nos anos 50, José Amadio, crítico de cinema de "O Cruzeiro", achou um jeito de homenagear sua estrela favorita, Elizabeth Taylor. Elegeu-a "madrinha da coluna". Com isso, podia dar o retratinho dela todas as semanas, no alto, ao lado de seu nome.

De 1967 a 1972, em que andei entrando e saindo da "Manchete" como repórter e redator, nosso diretor Justino Martins não passava seis meses sem dar Elizabeth Taylor na capa da revista. Bastava faltar um assunto mais importante.

O 6x6, com o fabuloso rosto de Elizabeth cravejado pelos olhos violeta, se materializava na minha mesa sem mais nem menos. Eu perguntava: "Qual é o assunto, Justino? O que está acontecendo com Elizabeth Taylor?". E ele respondia: "Nada. Elizabeth Taylor não precisa de assunto. O assunto é ela".

Nessa época, a grande fase de Elizabeth no cinema já estava ficando para trás, e sua presença na mídia se devia mais ao intenso e turbulento casamento com Richard Burton -na verdade, um ménage à trois, envolvendo também o uísque Black Label. Os dois eram alcoólatras: Elizabeth salvou-se à custa de duas internações no Betty Ford Center, na Califórnia; Richard morreu abraçado à garrafa.

Ela foi das poucas estrelas infantis cuja carreira sobreviveu à adolescência e à vida adulta. Enquanto Shirley Temple, Deanna Durbin, Margaret O'Brien e tantas outras pararam nas tranças, apenas Judy Garland e Natalie Wood foram em frente -mas não por tanto tempo quanto Elizabeth. Nasceu estrela, mas, com o tempo, tornou-se uma senhora atriz.

Não é vero que fosse a última diva da Hollywood clássica. Dos meus álbuns de figurinhas "Ídolos da Tela", da Editora Vecchi, de 1955 e 1958, continuam firmes, entre as americanas, Shirley MacLaine (76 anos), Kim Novak (77) e Doris Day (88). Mas, sim, só Elizabeth tinha o porte de rainha.

ELIANE CANTANHÊDE

Um governo para chamar de seu

BRASÍLIA - O voto brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, a favor de um relator especial para apurar abusos no Irã, é o passo mais concreto na guinada da política externa. É assim que, suavemente, como ninguém esperava, Dilma vai se distanciando de Lula e firmando uma marca para seu próprio governo. O que é ótimo.

Dilma já havia sinalizado o que queria quando considerou "bárbara" a pena de apedrejamento da iraniana Sakineh e, na entrevista ao "The New York Times", disse que não podia nem seria condescendente com coisas assim.

Apesar de o voto romper com um histórico de dez anos de votos favoráveis ao Irã, a presidente e o chanceler Antonio Patriota não tiveram dificuldade -e, aliás, nem perderam muito tempo- para fechar a posição brasileira no conselho. Foi algo simples, natural, sem necessidade de grandes debates e sem contestação interna.

Em entrevista à Folha, no início do mês, o chefe de Imprensa e principal conselheiro do presidente Mahmoud Ahmadinejad, Ali Akbar Javanfekr, disse que Dilma estava mal informada sobre o Irã, que há "2.500 Sakinehs nas prisões brasileiras" e que tinha "esperança" de que o Brasil não aprovasse o relator especial do conselho.

Também à Folha, na edição de ontem, véspera da votação, o ex-chanceler Celso Amorim declarou que "provavelmente" não votaria a favor de um relator especial para o Irã. Mas, ao ler a reportagem, já se previa, ou até sabia, que "provavelmente" Patriota e Dilma garantiriam um dos 22 votos a favor.

As relações do Irã de Ahmadinejad com o Brasil, portanto, não são mais as mesmas. Aliás, nem o próprio governo brasileiro.

Mas... a foto de "O Globo", de um PM parrudo jogando spray de pimenta numa menininha negra e desabrigada, comprova: o país Brasil ainda tem muito a mudar.

elianec@uol.com.br

Jaime cimenti

Parabéns a você, e dá-lhe, dá-lhe, Porto Alegre!

E dá-lhe, dá-lhe Porto Alegre, guria índia-açoriana-negra-europeia e universal, ainda meio inibida. Também, tchê, só duzentos e trinta e nove aninhos. No máximo tu é uma jovem senhora. Quase sem plástica, só um pouco de botox e uma pequeno reparo nas pálpebras.

Na tua lista de presentes vamos botar uma ciclovia decente, um metrozinho básico, um Cais do Porto bonito e possível, menos lixo nas ruas, mais turistas de lazer, mais meses com jeito de abril e outubro, mais descontração, ousadia e muito menos timidez.

Tipo assim, no futebol, onde somos campeões mundiais azul-vermelho, ganhamos tudo e não tem pra ninguém.

Mais conversa, mais união e planejamento e consulta popular de todo tipo, que tu és de todos os da Capital, do Interior, de outros estados e dos gringos que chegam de todo canto do mundo, para dizer deu pra ti baixo astral, Porto Alegre é demais, e, agora, com nosso Museu Iberê, falar: te cuida Guggenheim!!!

Pois é, depois que o patrão velho lá de riba criou Londres, Roma, Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro e Bento Gonçalves, ele pegou prática e nos deu Porto Alegre.

São Francisco da Califórnia com seus morros até parece Porto Alegre, que tem sete morros maravilhosos, impressionantes dezessete metros quadrados de verde por habitante, zona rural imensa e 72 quilômetros de costa prontos para melhor aproveitamento, principalmente depois de limparmos o Guaíba, onde desejamos todos voltar a tomar banho de infância e juventude, andar de triciclo e bicicleta na beira, e, no mínimo, tomar Q-Suco sabor guaraná e degustar acessíveis bolachas sortidas.

E viva Moacyr Scliar, homenageado da Semana, viva Erico, Mario Quintana, Elis, Lupicínio, Loureiro da Silva, viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu, viva nós e viva a luz de lâmpada dicroica que o sol está fazendo pousar de leve, na cidade, neste outono que já promete aconchegantes cobertores de orelha, vinhos e lances no edredom.

Nunca vai dar pra ti e pra nós, Portinho. Porto Alegre, sempre vamos te amar, mesmo quando estiveres tímida, ventosa, nublada, engarrafada, chuvosa, emburrada ou envaretada. Nosso amor é incondicional, tipo de mãe.

Experimente alguém falar mal de ti, que aí viramos bichos. A gente sabe que praticamente ninguém de fora é louco a ponto de ficar falando. É isso, fui, vou caminhar no Parcão, na Redenção, na Encol, no Marinha (nossa estância urbana), no calçadão de Ipanema, nas ruas do Rio Branco e da Cidade Baixa e onde mais o coração levar minhas pernas.