sábado, 8 de novembro de 2008



09 de novembro de 2008
N° 15784 - MOACYR SCLIAR


A conspiração dos objetos

Millôr Fernandes tem uma charge fantástica. Mostra um homem entrando em casa, e os objetos saudando-o: “Me liga”, diz a tevê, “Me acende”, diz o fogão, e assim por diante: uma alusão a um estilo de vida em que estamos rodeados de aparelhos, de dispositivos, de gadgets.

Na charge, a disposição dessas coisas é amável, ansiosa, até: querem ser postas a funcionar, portanto querem servir o seu dono. Infelizmente, porém, nem sempre é assim. Nem sempre os objetos que nos rodeiam mostram-se prestativos. Não raro a intenção deles é outra, e revela uma perversidade inimaginável.

Conspiram, os objetos. Comunicam-se entre si mediante imperceptíveis vibrações e é assim que tratam seus planos, sua estratégia para assumir o poder no domicílio. O elemento principal desta estratégia é a nossa desestabilização. Os objetos querem que percamos o controle emocional, que nos sintamos inseguros e, se possível, apavorados. E como é que eles fazem isso? Simples: eles se escondem de nós.

Os objetos tem esta extraordinária capacidade: eles somem. Não a tevê, claro, nem a geladeira, ou a cama; estes são prejudicados pelo tamanho. E talvez sintam também um pouco de afeto por nós. A cama, por exemplo, é testemunha de nossos sonhos, de nossos devaneios, de nossa paixão; a cama nos acolhe quando estamos cansados e quando estamos doentes. Compreensivelmente a cama hesita em nos sacanear.

Mas existem coisas que não têm para conosco a menor solidariedade. Objetos em geral pequenos. Quatro deles são particularmente sinistros, lembrando um pouco aquela Gangue dos Quatro que, numa época, dominou a China: chaves, caneta, óculos, tesoura.

As chaves são mestras em sumir. Mais: sabem sumir nas horas em que mais nos prejudicam. Se estamos com pressa, é certo que as chaves do carro darão um jeito de se tornarem invisíveis, e o mesmo se pode dizer das chaves da casa.

Caneta nem se fala, e isso nos obriga a ter várias delas. Os óculos mostram um pouco mais de respeito – afinal, estão ligados a atividades intelectuais – e se contentam em migrar para nossa testa. E as tesouras conseguem se introduzir nos lugares mais inesperados: debaixo de uma pilha de revistas, por exemplo.

O que fazer nessas situações? A primeira regra é: não perder a calma. Perder uma caneta pode ser um transtorno, mas perder a calma é um desastre. Canetas não são insubstituíveis. A segunda coisa é enfrentar. Querem guerra?

Terão guerra. Podemos recrutar colaboracionistas: outras chaves, outros óculos (tenho dezenas deles espalhados pela casa), outras canetas. Que, ao menos por algum tempo (até se contaminarem com o virus da revolta), estarão ao nosso lado.

Vamos para o combate, pois. Mesmo que nos derrotem, os objetos não nos subjugarão. Ao fim e ao cabo, podemos viver sem eles, como Adão e Eva no Paraíso. Aliás, eles ainda estariam lá – se não tivessem encontrado a árvore do fruto proibido.

Se esta árvore resolvesse sumir no meio das outras, o que bem poderia ter acontecido, os seres humanos ainda estariam no Jardim do Éden. Onde todo mundo andaria pelado e onde ninguém perderia nada.

Um comentário:

Anônimo disse...

https://www.youtube.com/watch?v=FxuJZxxdVIE