terça-feira, 10 de junho de 2008



10 de junho de 2008
N° 15628 - Luís Augusto Fischer


Clássicos à mão

Não é a edição dos meus sonhos por pelo menos dois motivos - não traz notas de pé de página para esclarecer vocabulário e alusões históricas, um, e traz ensaios de apresentação para mim problemáticos, dois - , mas se trata de uma iniciativa editorial muitíssimo digna: é a série Multiclássicos, da Editora da USP em colaboração com a Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo, cujo primeiro volume traz os Épicos escritos no Brasil. São eles a Prosopopéia, de Bento Teixeira (primeira edição em 1601);

O Uraguai, de Basílio da Gama (1769); Caramuru, de Santa Rita Durão (1781); Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa (escrito em 1773, editado em 1839); A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães (1856); e I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias (1851).

O volume tem a dignidade que os clássicos requerem: capa dura, sobrecapa, papel pólen, 1224 páginas; os textos receberam atualização ortográfica apurada; ao final, um glossário bastante variado (e, na minha experiência de leitor, quase inútil, porque de consulta difícil, ou mais que isso, chata, ao contrário do que poderia ser com notas ao pé de cada página).

A equipe de trabalho é de especialistas, a começar por João Adolfo Hansen, conhecedor profundo da tradição clássica pelo lado da forma, que escreve a apresentação geral do volume, um ensaio sobre a natureza do gênero épico.

O lado reverso dessa qualidade, para este leitor aqui, tem a ver com certo ponto de partida: parece que, entre os especialistas ocupados na edição e no comentário, há uma unanimidade anti-Antonio Candido, para mim uma figura central da crítica e da teoria literárias no século 20, não só brasileiro.

O organizador do volume e autor do ensaio sobre O Uraguai, Ivan Teixeira, abre seu texto demarcando o raciocínio contra os "pressupostos de sociologia literária"; assim também ocorre com Paulo Franchetti, no ensaio sobre Gonçalves Dias, que sem rebuços considera Candido um prolongador da perspectiva romântica do século 19.

Nada contra a existência dessa discordância, mesmo porque se trata de gente culta e habilitada para a tarefa; mas esse anti-candidismo é também um anti-historicismo, que faz os textos permanecerem quase que apenas na esfera do discurso, descolados dos interesses e das lutas reais, que são políticas, sociais, ideológicas, e que por certo se realizam na palavra.

Ficam esses clássicos como um desfile de erudição; ficam os textos compondo uma camada à parte da experiência humana; e aí se perde uma parte substantiva da leitura.

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