terça-feira, 3 de junho de 2008



03 de junho de 2008
N° 15621 - Moacyr Scliar


Um fenômeno do marketing literário

Há alguns anos, a famosa feira internacional do livro de Frankfurt escolheu o Brasil como homenageado.

Havia um amplo recinto dedicado a nosso país e, nele, uma grande mesa com livros de autores brasileiros. Um dia - era hora do almoço e o salão estava vazio - eu estava ali, olhando esses livros, quando de repente apareceu Paulo Coelho, a quem eu conhecia de vista.

Cumprimentou-me, olhou a mesa, onde não havia nenhuma obra sua, saiu e voltou minutos depois carregando uma grande pilha de livros de sua autoria. Passou por mim, queixou-se de que livros pesam (não pude resistir à tentação de dizer que, com seus poderes, ele bem poderia fazer os livros levitar) e espalhou-os pela mesa.

Gesto paradigmático daquilo que a biografia agora lançada por este expoente do gênero, Fernando Morais, mostra muito bem: a obsessão (a expressão é da Folha de S. Paulo) de Paulo Coelho por conquistar o mercado livreiro e que há mais de 40 anos já figurava em seus planos, registrados em diário: "Comprar todos os jornais do Rio em dias de semana.

Enviar composições [sic] aos encarregados e carta explicativa aos diretores. Entrar em contato telefônico com eles, indagando o dia em que o escrito sai. Informar aos diretores quais são as minhas ambições. Arranjar pistolões para publicação."

Nisto, o jovem Paulo Coelho não diferia muito de outros escritores em início de carreira. A diferença veio depois, quando ele se tornou o escritor mais lido do mundo, mais traduzido do que Shakespeare, como observa Fernando Morais em entrevista a Zero Hora. É um sucesso que até hoje surpreende (e que ajudou muito na sua eleição para a ABL), mas que tem explicação.

Resulta, em primeiro lugar, de um fenomenal senso de marketing. Depois, e mais importante, a obra de Paulo Coelho, por causa de seu misticismo, do freqüente apelo ao sobrenatural, corresponde a uma necessidade de milhões de pessoas em nosso mundo: a necessidade de acreditar em algo.

Esta necessidade foi reforçada pela derrocada das ideologias que puxou o tapete de sob os pés de muita gente, mesmo porque ideologia é algo que tem um componente de fé, de crença quase mágica.

Paulo Coelho surgiu no momento exato e soube conquistar o mercado livreiro. Alguém já disse que o gênio é 10% inspiração e 90% transpiração, esta expressando o duro trabalho de melhorar o texto; no caso de Paulo Coelho, temos 10% de inspiração e 90% de autopromoção.

Já a qualidade literária de seu trabalho é outro papo. Muito original ele não é: o livro fala do plágio de um texto de Carlos Heitor Cony e Zero Hora mostrou, tempos atrás, como Paulo Coelho copiou o conto Diante da Lei, de Franz Kafka em sua coluna no jornal O Dia.

"Quanto tempo demorará para que meus livros sejam esquecidos?", pergunta ele numa carta a Fernando Morais. Dúvida mais que pertinente. Paulo Coelho não é Shakespeare.

Temos o best-seller Paulo Coelho e temos o ser humano Paulo Coelho, um ser humano atormentado, não raro confuso e perturbado, muito sofrido, com passagens por drogas e por hospícios e uma difícil relação com os pais. Aparentemente, porém, ele conseguiu superar este passado.

É uma pessoa agradável, simpática, afetiva, bem-humorada, qualidades que, de alguma forma, permeiam seus livros e certamente ajudam a conquistar leitores.

Em palestras que dou, não é raro alguém pôr-se de pé e perguntar, em tom de desafio: "Eu só leio Paulo Coelho, e daí?".

Minha resposta é que a casa da leitura tem muitas portas e a obra de Paulo Coelho é uma delas. Seguramente ele motiva pessoas, o que é um mérito. Já o futuro é uma incógnita. Até os magos têm dúvidas a respeito.

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